Deprecated: mysql_connect(): The mysql extension is deprecated and will be removed in the future: use mysqli or PDO instead in /home/storage/3/0e/5d/campogrande1/public_html/old/ga-admin/includes/conexao.php on line 18
Colunistas | Campo Grande Net

Warning: Creating default object from empty value in /home/storage/3/0e/5d/campogrande1/public_html/old/template/head.inc.php on line 123
Banner-CGNet-Servsal

Warning: Creating default object from empty value in /home/storage/3/0e/5d/campogrande1/public_html/old/template/head.inc.php on line 139
AACC_ARRAIÁ-AACC_BANNER_510-x-95

Colunas


Festinha Adolescente
por Moacir Henrique de Andrade Carqueja

Data: 08-12-2011


- “Vamo fazê uma festinha?”

- “Vamo, onde?”

Quase sempre a proposta recebe adesão unânime entre adolescentes excitados pela vida, pelo menos durante os primeiros dias, depois algum não pode ir porque a mãe não deixa, ela vai viajar e quer levar o filho, ou a namorada (que muitos talvez não tenham), já tem algum programa diferente. Mas a grande dificuldade costuma ser encontrar um local para o fuzuê.

- “Será que não dá pra fazer na casa do Marinho?”

A maior parte nem conhecia o palacete encarapitado no alto da Joatinga, só de falar do local já tinha nêgo babando. Fizeram a consulta e ele deu uma resposta melhor do que a esperada.

- “No dia três, sábado? Tá mais que liberado, meu velho nem vai estar em casa.”

E assim se organizou o encontro dos meninos onanistas, todos eram alunos do Colégio Militar, daqueles anos que meninas não entravam e elas não deixavam os meninos entrar. Isso valorizava mais ainda as festinhas com arrasta-pé e bate-coxa, momentos importantes em que podíamos manipular as garotas impossíveis, irmãs dos colegas, ou mesmo suas namoradas, sentido seus corpos. Mas tinha um detalhe importante nesta reunião, havia 50 anos que nós nos conhecêramos no então primeiro ano ginasial. Agora estamos todos com idades entre 61 e 64 anos, contudo, pelo menos entre nós, nos comportamos ainda como adolescentes.

Dias Ramos ficou encarregado da grana, faríamos uma vaquinha para comprar o farnel, umas gasosas, algum suco de uva alcoólico, uma cachaça paraguaia com rótulo scotch, essas coisas que são necessárias para liberar a censura de cada um.

Meio século depois mantivemos a tradição e cada qual tratou de levar sua namorada à festa. O mais inacreditável é que alguns conservadores ainda levavam a mesma, mesmíssima, dos tempos dos bailes em trajes de gala que eram travados (como se batalhas fossem) no refeitório, que na caserna chamam de rancho. Outros já as trocaram tantas vezes neste período que já nem sabem quantas rolaram. A rigor, deve-se usar a palavra com todos os sentidos diretos e indiretos, o verbo poderia ser foram enroladas.

O Nasser veio de longe com as cunhadas tiradas a reboque. Investimento, afinal ele é turco, nunca se sabe qual colega pode estar recentemente solteiro, um novo adolescente sem juízo aos 62 anos, carente, sem alguém que lhe ajude a lembrar dos remédios, e desencalhe as naus familiares. A bem dizer é um truque, né?

Teve um casal que na última hora desistiu porque a namorada quebrou o pé, inexplicavelmente. Futebol? Uma pena. Lembrei-me daquela piada que um descuidado fala que na cidade só tem puta e jogador de futebol. Dizem que ela estava batendo um bolão.

Festa de adolescentes é assim, escurinho que é para ninguém saber quem está azarando quem. No caso de jovens, entre cinco e seis décadas de experiências existenciais, ajuda a esconder as rugas, as varizes, mas tem o defeito de tornar inúteis as coisas que mulheres dessa idade mais gostam de mostrar (e que mais gostariam?): suas joias. Certamente que chegaram em casa e tocaram a boca nos ouvidos dos companheiros reclamando da escuridão. Além disso, nossa acuidade visual já anda meio baleada, cumprimentei friamente uma mulher que não reconheci na penumbra, entretanto quando vi o marido, que vinha atrás, devagar, saudando efusivamente os correligionários (tem tantos fãs que parece político), percebi que se tratava de Edileusa, esposa do Castro Neves, mas já era tarde, a carquejada estava perpetrada. E era tão escuro que eu estava sentado à mesma mesa que Aluisio, um dos colegas que mais prezo, e não nos reconhecemos, a ponto do Biritão (o nome é Brito, mas por não gostar de bebidas alcoólicas o detratamos assim) me perguntar ao pé do ouvido:

- “Carqueja, sabe quem é esse colega aí?”

- “Não tenho a menor ideia.”

Mas eu me acerquei do estranho, na tentativa de resolver o desconforto, e alguns minutos depois me apresentei. Temos esse protocolo de que somos íntimos sempre, como nos velhos tempos.

- “Sou o Carqueja.”

O cara se levantou e me deu um abraço.

- “E eu o Aluisio.”

Havíamos combinado de nos encontrar na festa para colocar nossas viagens de aventura em dia, cada um contar a adrenalina e a emoção de excursionar num hospital ou, se for dado a esportes radicais, numa UTI.

Houve tempo para que cada colega se programasse para o evento, dois meses antes da data marcada já estávamos reservando o espaço temporal nas agendas e nas companhias aéreas, teríamos gente de todo o país fazendo sua haji à casa do Marinho. Muitos de nossa turma se encontram diariamente num grupo que denominamos Webboteco, que é nosso botequim cibernético onde todos mandam, ninguém obedece e podemos falar o que quisermos seguros que estamos fora do alcance de um tapa.

Às vezes esse encontro diário se torna escasso. Ney Abóbora andou sumido e sentimos muita falta de seus poemas. Fomos resgatá-lo e descobrimos que havia sido promovido a moranga e que decidira que só voltaria a aparecer quando recuperasse sua antiga aparência. Permaneceu afastado por dezesseis quilos, duas semanas e três dias.

Temos um colega abusado, o Ratinho, que mora em Porto Alegre e sofre da síndrome do pânico, tem tanto medo de sair de casa que nem a Gramado se propõe a ir. Quatro, em cada três de suas mensagens contêm a lapidar frase “vai tomar no cu”, dado que se trata de baixinho destemperado, daqueles que gostam de arrumar encrenca de grandes. Pois esse cara esteve no Rio por cinco dias antes da festa, mas não resistiu à pressão que sua mente perversa faz com ele mesmo e fugiu para Porto Alegre no meio da semana. Só viu as fotos.

O pagamento das cotas da vaquinha era feito com depósitos personalizados, daqueles que se colocam centavos identificadores, mas o Braulio, judeu, e consequentemente sovina, reclamou que um colega parecia não ter pago, dado que não tinha na lista o depósito com os tais cêntimos. E encheu o saco no Webboteco. Entrementes ele consultou um pai de santo que o alertou que deveria fazer uma viagem para o plano superior ainda este ano. Braulio frequentava umbanda, candomblé, missas católicas (até comungava, dizem), cabala e sinagoga, mas tinha horror a médico. Foi internado com uma úlcera estomacal perfurada dez dias antes de nossa festa, agravada por ser diabético e ter problemas cardíacos, patologias que ele fingia que administrava sem o adequado acompanhamento médico. Até escondia dos amigos. Juntou tudo numa UTI e veio a falecer na madrugada do domingo. Transformou nossa reunião em festa de sétimo dia.

Ato contínuo, Elio, o colega mais chegado a ele no grupo, convidou filha, genro, neto e namorada do Braulio para a festa, o que gerou protestos do Maia. Primeiro ele disse que tinha tido um sonho em que o finado pedia a devolução de R$ 200,27, depois disse que era um golpe com a mensagem: Pois é. O Braulio acabou nos enrolando. Deu um jeitinho de pagar 2 e levar 3... Mas nós levamos o fujão à festa, Elio ampliou uma foto e a colocamos no lugar mais iluminado da boate com quatro velas à volta (a iluminação ambiental era essa), pena que ainda assim era muito escuro e pouca gente o viu.

O buffet estava chiquérrimo, pratos com nomes estranhos e servidos em porções homeopáticas. No escuro não dava para ver direito, mas tinha uma iguaria servida em uma colher, isso, a porção era apenas uma colher por faquir, com atum ao nome esquisito; outra era um camarão, não estranhe, um apenas, servido com pompa e circunstância na ponta de um longo espeto de madeira, em bandeja de prata. Nós, acostumados ao feijão com arroz do rancho do Colégio Militar, deveríamos considerar aquilo um refinamento exótico, mas o fato de ninguém estranhar simplesmente prova que a galera evoluiu economicamente e escalou a pirâmide social. É que rico come assim, devagar, esnoba no nome da comida, come pouco que é para ficar elegante e não se cansar no golfe. Pobre gosta de prato fundo, come coisas com nomes comuns: dobradinha, mocotó, rabada com agrião.

Um dos organizadores é o Shop-Shop, o mais vaidoso da turma. Tão vaidoso que já fez bico em novela só para aparecer na Globo, quando orientava o autor com argumentos técnicos por ser emérito professor da PUC na área de administração. É especialista em força de vendas. Chegando um sacana ao gajo se estabeleceu o diálogo inusitado, que sintetiza o espírito do grupo.

- “Shop, setecentas pratas de passagem, duzentos e cinquenta de hotel, cem de ingresso na festa...”

Ele interrompeu, sacou da carteira e espicaçou o colega:

- “Tá legal, vou te dar uma ajudinha. Cinquenta ajuda?”

- “Nada disso, vir ao Rio para passar a mão na bunda de um professor titular da PUC não tem preço.”

Vimos um filminho de sacanagem, mostrando a turma no colégio há quatro anos. Sacanagem porque deu para notar uma enorme decadência dos colegas, dos outros, porque conosco não aconteceu nada. Terminado, aumentou-se o som, que já não era fraco, para que ninguém mais pudesse conversar e fosse obrigado a entrar na pista. Músicas dos anos sessenta foram exumadas e o fantasma do Fialho mostrou-se incansável. Tenho que explicar para quem não é frequentador do Webboteco, que este senhor sempre foi o mais velho da turma, tendo desde os tempos imemoriais cabelos alvos. Dizem que é tão velho que jogou dominó com o Duque de Caxias depois da guerra do Paraguai quando se pensava em fundar o Colégio. Pois este ancião rebolava e saltitava na pista como se não tivesse 356 anos de idade. Daí que não sabemos se ele é imortal ou uma alma penada.

Um grupo dissidente refugiou-se do barulho e enfrentou as temperaturas quase glaciais de dezembro na serra litorânea carioca, numa área lúgubre açoitada pelo vento, escavada na rocha viva, um lugar que me parece ter sido inicialmente idealizado para prática coletiva de rituais sadomasoquistas com direito a todas as ferramentas de tortura. Só para poderem fumar.

Entre os fumantes do porão estava Nhanhão com a esposa, irmã de um amigo e colega de faculdade deste fofoqueiro que vos escreve, o Zé Rainha, um excelente fadista que nada tem a ver com invasões do MST. Pois esse senhor de alcunha anasalada escreveu e publicou um livro que parece gaúcho macho, dizem que existe, mas ninguém jamais viu.

Enquanto os mais animados sacudiam suas carcaças seculares, demonstrando raro preparo físico, mas nenhuma graça que pudesse invocar um Gene Kelly, alguns se desesperaram com o barulho.

- “Eu não consigo conversar, estou velho, cansado e ranzinza, vou embora.”

Ainda bem que tem gente que se conhece, nessa fase da vida a carapuça serviria para todos...

De repente a festa se esvaziou. Era cedo para nossos padrões, duas da madrugada, mas, considerando os muitos anos de decadência corporal, estava bom. Fomos embora e mantivemos a tradição daqueles tempos de moral quase vitoriana, quando saíamos dos embalos e ainda não comíamos ninguém. Só que agora é por absoluta falta de apetite. Mas negaremos até a morte e nossas namoradas confirmarão o que digo. São fiéis, parceiras e cúmplices e não nos deixarão mentir sozinhos.

Post scriptum:

Não contem do ambiente escuro para o pai do Marinho, o velho vai se zangar e dizer que foi uma pouca-vergonha e pode não rolar outra festa. Nem para a Rosa, a namorada dele, nem para ele, que, se souber que eu escrevi isso, pode me pegar na hora do recreio e me encher de porrada.


Moacir Carqueja
Moacir Henrique de Andrade Carqueja
Engenheiro Civil e professor universitário aposentado.Casado, pai de três filhos, residente e apaixonado por Florianópolis.


    Compartilhe


Outras Colunas


>> Carteira Assinada

>> Pedal Dengoso

>> Orgia noTemplo

>> A Queda

>> Dois Tarados Pedalando

>> Fé na Ciência

>> Só me faltava isso.

>> A Serviço dos Ianques

>> Escala de Tombos

>> Mad Max

>> Vestido de Noiva

>> Lista para 2013

>> Natal do fim do mundo - 2012

>> Vítimas de Newtown

>> A Amásia Lobista

>> Julgamento do Bruno

>> Corrida Matinal

>> Segurança no Condomínio

>> Aos que pensam que Cuba é ruim

>> Entregando Pizzas

>> Primeiro Michê

>> Aumentando a Frequência

>> Carango Baratinho

>> Bota a Camisinha

>> A Morte do Erotismo

>> Ata de Reunião

>> Vaso Entupido

>> Mais cotas.

>> Carioca na Campanha

>> Estatísticas de Orgasmos

>> Doutor do Boi de Mamão

>> Encontro na Varanda

>> CPI dos Holofotes

>> A Tiazinha

>> Toc-toc

>> Negociando no Congresso

>> A Cunhada do Wronsky

>> Ah, Espelho Meu...

>> Mamãe vai às compras

>> Meio Século de Espera

>> Matei um Monte

>> Malandro é Malandro

>> O Zelador

>> Hora de Pendurar as Chuteiras

>> Ossos do Ofício

>> Ambulância

>> Bloco de Sujas

>> Wando

>> Noites de Verão

>> Censura às Idéias

>> Vício

>> Recordista de Abates

>> Previsões de Carquejamus para 2012

>> Ressaca da Despedida de Solteiro

>> Natal 2011

>> Despedida de Solteiro

>> Cidadania italiana postergada

>> Lei Seca

>> Cidadania italiana

>> Palestra de Prostituta

>> A Prova do ENEM

>> Prorrogação

>> Inspeção sanitária

>> Porta-voz divino

>> Automóveis

>> Bolero

>> O Namoro de Dona Zilda

>> Chutando fora

>> Arquiteto Afeminado


Calendário

«Maio - 2024 »
DSTQQSS
   1234
567891011
12131415161718
19202122232425
262728293031 

banner-Ópitica_do_Divino



O portal da Cidade de Campo Grande. Informações sobre os acontecimentos da Capital de Mato Grosso do Sul; cultura, lazer, gastronomia, vida noturna, turismo e comércio de Campo Grande.