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Colunas


Vestido de Noiva
por Moacir Henrique de Andrade Carqueja

Data: 14-01-2013

 


Estávamos na década de 1950 quando Walmor Lemmertz sentou praça no então 14º. Batalhão de Caçadores em Florianópolis. Gostou da vida militar com sua disciplina e pontualidade, comida pouca e ruim, muita calistenia, coisas que o mantinham elegante, em forma e combinavam com sua paixão pelo desporto. Walmor era remador do sagrado Clube Náutico Riachuelo. Quando descobriu que poderia fazer carreira no exército se matriculou no curso de sargento da força. Algum tempo depois assumia suas primeiras funções no novo posto em um quartel da guarnição de Porto Alegre.

Era tímido, embora eloquente, falava com cuidado para atenuar sua tendência à tartamudez. Gostava dos livros e já tinha vasta cultura geral na juventude. Foi assim, com a prudência dos tímidos, que procurou as agremiações porto-alegrenses de remo em busca de uma vaga para manter sua atividade desportiva.

A vida passou a transcorrer lenta e metódica, era remo de madrugada, caserna durante o dia e alojamento de noite, quando suas distrações eram livros e o rádio. Ouvia o Rio de Janeiro, a Guarujá de sua amada Florianópolis, estações de Buenos Aires, tudo em ondas curtas. Os viventes de hoje não têm ideia do suplício que era aquela diversão, o som ruim costumava chegar distorcido pela ionização das camadas altas da atmosfera, muitas vezes compreender o que se dizia era um exercício de interpretação e adivinhação. Música, então, era horrível, qualquer samba parecia marcha militar. A saudade apertava e a solidão da vida longe da família se fazia sentir. Ele não demonstrava, mas se sentia metodicamente triste.

Walmor era caseiro, que também combinava com sua timidez, mas toda araruta tem seu dia de mingau, ou todo touro manso tem sua vez de botar o tratador para correr, e ele foi ao cinema com alguns colegas de farda. Salas de projeção eram os campos de caça ao sexo oposto daquele tempo.

Antes, como costumava ocorrer com quem podia pagar, eles beberam umas cervejas e socializaram com locais. Os duros faziam o footing, que era caminhar de um lado para o outro na Rua da Praia flertando e gastando a meia-sola dos sapatos surrados. Este hábito desapareceu com a motorização da classe média. A vida era tão difícil, tão dura, que militares eram bons partidos e a mulherada se fazia interessada por homens fardados. Foi apresentado, com toda a honraria que fazia jus a um jovem de carreira promissora (sargentos daquele tempo valia tanto quanto magistrados hoje, só que costumavam ser mais honestos do que estes), a um grupo de moças que bebiam guaraná numa mesa do mesmo bar, dentre elas se destacava uma bela de origem italiana, de olhos azuis, pele alva e cabelos negros. Mulher extremamente atraente que lhe deu um choque quando as duas miradas azuis se contemplaram fixamente.

Nada rolou naquele encontro, mas propuseram se encontrar na quarta-feira seguinte no mesmo horário, antes da seção das moças no cinema. Ela não poderia ficar para assistir o filme alegando restrições familiares, o que foi interpretado pelo sargento como qualidade, mulheres recatadas não tinham liberdade para voltar tarde para casa sozinhas, nem em companhia masculina. Nosso paladino das virtudes, embora já ardesse de desejos por Bianca, gostava de pensar que ela fosse difícil, intocada. Sempre houve babacas, não é mesmo? Naquele tempo, por conta dessas falsas virtudes, ninguém comia ninguém. Quase ninguém, melhor dizendo, os espertos sempre se davam bem.

Veja, leitor, que os costumes mudam, aquilo que era considerado bom no passado pode ser uma má qualidade hoje. Mulheres pouco experientes podem ser um desastre na cama, enquanto que as mais rodadas provavelmente conhecem muitos truques úteis. Como está na moda o test-drive, a primeira coisa a fazer é experimentar, antes mesmo de se pensar em namoro. Casamento, então, só após uns dois anos de período de experiência com contrato registrado e assinatura na carteira de trabalho. Você se casaria com uma recatada mulher que goste de fazer amor vendo televisão? Vale uma ressalva importante, as que atuarem profissionalmente por um período, mesmo que breve, tendem a nunca perder o gosto pelo trabalho e, provavelmente, sugarão seus amantes até secarem seus bolsos, quando os abandonarão incontinentes. Sem contar as escapadas para matar saudades de patrões dos velhos tempos. Não sei como aprendem a fazer isso, já que não existem cursos no SENAI para formação econômica de putas.

Durante dois meses aqueles encontros no meio da semana se faziam no bar, até que Walmor criou coragem para segurar a mão da moça. Passaram a sair discretamente e trocar alguns amassos em ruas mais escuras da cidade. Ela tinha o cuidado de sempre sair do bar antes dele e voltava para casa cedo, quando a sessão de cinema iria começar. Dizia que teria que pedir permissão aos pais para namorar e ainda não tinha falado dele.

O moço estava apaixonado. Passou a cuidar mais de sua forma física, moderou o garfo e se entregou ao remo e aos exercícios de calistenia que fazia com os recrutas de sua companhia. Não era alto e seu corpo era magro, embora muito atlético com todos seus músculos bem desenhados. E tinha aquela invejável barriga de tanquinho muito apreciada pelos pelotenses que passeavam pela Rua da Praia. Estava sempre escondida atrás da camisa, mas se homens sabem imaginar corpos femininos debaixo de vestidos, bichas são homens que gostam de homens... Haja imaginação.

Num daqueles roça-roça nas ruelas das imediações do Teatro São Pedro, ela, ardendo de desejo, mudou o tom do diálogo e de seu comportamento.

- “Mor, eu queria que tu fosses lá em casa domingo de tarde.”

- “Vais me apresentar a teus pais?”

- “Não, eles moram em Caxias. Eu moro sozinha.”

- “E aquela conversa de que não tinhas permissão pra namorar?”

- “Era charminho, eu tinha que saber se tu eras um homem honrado e confiável."

- “Tá bem, eu entendo. E por que não hoje?”

- “Não é assim, eu tenho vizinhos que podem notar.”

- “E domingo de tarde eles não notam?”

- “Notam, mas eu sou costureira, vivo disso. Faço roupas especiais, vestidos de noiva são meu principal ganha-pão. É comum que noivos, ou pais de noivas venham buscar encomendas, ajustar alguma coisa. Os vizinhos estão acostumados.”

Doces sonhos povoaram a mente daquele militar de mãos calejadas pelos punhos dos remos. Os dias seguintes pareciam parados no tempo. Parecia que o fim do ano chegaria antes do domingo. Distraído, até errou a sequência da calistenia na prática de educação física e levou um esporro do tenente:

- “Sargento Lemmertz, tá com a cabeça nas nuvens? Presta atenção!”

- “Desculpe, tenente, eu tava sonhando com uma guria que vou visitar domingo.”

- “Então paga duzentas flexões de braço, cento e cinquenta cangurus, corre vinte quilômetros e depois descansa no chuveiro.”

O domingo chegou finalmente e ele saiu todo elegante, cabelo com gumex, perfumado, sapato engraxado, olhar de James Dean.

Bianca estava também excitada com a visita e tinha preparada sua pequena vivenda que era também seu ateliê de costura. Era coisa simples, a sala tinha uma mesa de seis lugares que era mais usada para corte de moldes e tecidos do que para refeições. Num canto a máquina de costura ao lado do rádio Zenith que passava o dia todo ligado na Rádio Guaíba. Nas paredes, pendurados em cabides, havia vários vestidos, alguns prontos esperando as felizes noivas, outros abandonados, embora pagos, por casamentos desfeitos na véspera, alguns para serem reformados. Também trajes de gala copiados de revistas de moda ou de modelos exibidos por artistas no Rio de Janeiro nas fotos da revista O Cruzeiro. As falsas socialites tinham que ostentar modelos exclusivos e notórios para as amigas e para os viadinhos das colunas sociais. Falsas ricas não contratam quem cria, mas quem copia. Ainda havia na casa um quarto de dormir, um quarto de banho, uma cozinha minúscula e um alpendre nos fundos com um tanque de lavar roupa. Nenhum eletrodoméstico, nem mesmo uma geladeira, que para gaúchos se chama frigidér, referência a uma marca dominante daqueles tempos, naquele ambiente espartano. Isso era ainda privilégio de poucos.

Conversaram um pouco sobre a vida frugal que ela levava, como preâmbulo da festa da carne que pretendiam ambos fazer depois. Ela brincava com modelos de vestido, mostrando como ficariam nela, até escolheu um especial para uma mulher grande que teria o tamanho de Walmor. Colocou o vestido contra seu corpo.

- “Mor, a Ingrid é bem do teu tamanho. O vestido dela cabe em ti. Não queres experimentar?”

- “Só se for no carnaval em Flonópix. Aqui na gaucholândia é um perigo, dizem que essa viadagem que assola o sul do país é transmissível e ninguém sabe como é o contágio.”

Sorriram. Depois Bianca mordeu os lábios antes de fazer uma confissão. Era preciso que fosse clara.

- “Tenho uma coisa pra te dizer.”

- “Então diz, ora.”

- “Sou casada.”

Walmor perdeu a compostura e sua gagueira se impôs ao cuidado com a fala.

- “Co-como? Ca-ca-casada?”

- “É. Meu marido é motorista de ônibus que faz linha pra Florianópolis. Vai na segunda, volta na terça, vai na quarta, volta na quinta. Tem um domingo por mês que ele tem que ir, e é hoje. Por isso eu te chamei aqui.”

Aquilo mudava tudo, toda a fantasia que ele criara sobre as qualidades virginais da italianinha que se vaporizaram e se transformaram numa nuvem dionisíaca. Mulher casada era o sonho dos solteiros de então, em geral seria libidinosa, ardente, doida por sexo a ponto de não se satisfazer com o marido. E com a vantagem de não ter compromisso nem ter que registrar filho indesejado num tempo em que DNA era apenas teoria e a pílula era ficção científica.

Ele retirou a camisa e os sapatos enquanto agarrava Bianca e levantava sua saia. Ela o beijava sofregamente, a respiração ofegante, o coração galopando como um cavalo crioulo, sentindo a mão forte do amante entre suas pernas.

Então ouviram um grito.

- “Meu amor, abre a porta!”

Foi como um raio de gelo, o pavor se estampou no rosto dela.

- “Meu marido!”

Walmor olhava incrédulo. Quebrou a mudez apavorado.

- “E o que-que-que-queu fa-faço?”

- “Não sei, pensa em alguma coisa enquanto eu abro a porta.”

Bianca caminhava lentamente até a porta tentando dar tempo ao amante para imaginar uma solução. Ela sabia que não havia escape, não tinha como fugir da casa nem lugar para se esconder. Torceu a chave e deu passagem ao marido que a beijou protocolarmente como funcionário público que carimba documentos, sem capricho e sem demonstrar gosto pelo ato.

O olhar do traído foi de incredulidade quando viu um homem na sala vestido de noiva.

- “O que esse cara tá fazendo aqui?”

- “Bo-boa ta-tarde, amigo, eu vi-vim pe-pedir pa-pra Bianca a-ju-justar o vestido da mi-minha noiva, ela te-tem exatamente o me-meu ta-ta-ta-tamanho e que-quer que diminua um po-po-pouco aqui no quadril.”

 


Moacir Carqueja
Moacir Henrique de Andrade Carqueja
Engenheiro Civil e professor universitário aposentado.Casado, pai de três filhos, residente e apaixonado por Florianópolis.


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