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Meio Século de Espera
por Moacir Henrique de Andrade Carqueja

Data: 02-05-2012

 


Tenho certeza do ano, 1963, e do título, I Wanna Hold Your Hand. Foi assim que conheci os Beatles. Eram tempos distintos, ouvíamos a música nas rádios AM, eu não tinha nenhum aparelho de reprodução de discos em casa que normalmente seria uma vitrola que para os melhor arranjados monetariamente se chamava Telefunken. Para mim foi amor ao primeiro acorde e tínhamos um esquema barato, que funcionava, para curtir o som: a música estava em boa classificação nas paradas da Rádio Tamoio, que em determinadas horas do dia tocava as mais pedidas. Era só ligar o radinho Spika no horário e esperar.

Foi por conta das bandas de rock que me interessei pelo violão, sonhando ser mais um guitarrista barulhento e gritão. Só que não era essa a característica dos Beatles, poucas de suas músicas continham berros, pelo contrário, seus arranjos eram discretos, porém sofisticados, a afinação das vozes perfeita. Suas composições foram tão bem elaboradas, tão instigantes, que ainda fazem sucesso e cativam novos adeptos meio século depois.

Aqueles tempos também se caracterizavam por grandes dificuldades para se conseguir atualizações com os lançamentos musicais dos países ricos, alguns dos álbuns dos Beatles nunca foram lançados comercialmente no Brasil na forma da bolacha de vinil. Imagine-se então o sonho que acalentávamos de estarmos presentes em um show do quarteto. Nunca viriam, pensávamos, e nunca vieram. Lotávamos os cinemas para assistir seus filmes, era a maneira que tínhamos de mostrar nossa devoção a essa religião chamada Beatlemania. Religião mesmo, que chocou o ocidente quando John Lennon disse que era mais conhecido do que Jesus Cristo. Chocou porque era verdade.

Os Beatles fizeram canções de protesto, condenaram guerras, a ganância, George Harrison tornou-se um Hare-Krishina, mas eu acho que tudo aquilo que nos tocava os ouvidos e o coração era também muito fingimento. Nunca vieram ao Brasil porque éramos um país pobre e não tínhamos como pagar o custo de uma apresentação. Michê, eu diria. Ficaram devendo isso à minha adolescência vivida no Rio de Janeiro. Eu tinha vinte anos quando a banda se dissolveu e qualquer esperança de mitigar a frustração religiosa foi sepultada. Algumas décadas depois Sir Paul McCartney fez um renomado show em Moscou que contou até com a presença do presidente Putin, numa nação que chegou a proibir a execução de suas músicas por serem capitalistas ocidentais e retrógradas. Só mais tarde ele veio para cá. Nunca me propus a ir a qualquer de suas apresentações, na minha cabeça seria como aquela bela mulher de nossa juventude, altiva e inexpugnável, que aparecesse agora, dizendo-se apaixonada. Eu diria:

- “Meu bem, um dia foste uma pétala de orquídea aveludada, hoje és um maracujá de gaveta.”

Mas ele se apresentando na Ressacada seria diferente, era perto demais para não ir. Encomendamos os ingressos logo nos primeiros dias a um amigo que se dizia influente ao preço de um mês de trabalho como professor do município. Duas vergonhas.

Chegamos cedo e nos custou uma hora e meia de fila para entrar. No mesmo gramado em que Ronaldo o fenômeno estreou na seleção assistiríamos outro fenômeno, um velhote de 70 anos cantando rock, agradando jovens e velhos. Pontualmente às nove e meia da noite.

- “Boa noitche, manezinhos!”

Pura demagogia que encantou a plateia. Somos todos bobos.

- “Ó-lhó-lhó, Floripa!”

Gostei, mas eu queria vê-lo dizer Florianópolis, Floripa é moleza.

E abriu o espetáculo com uma do seu tempo Beatle, Magical Mistery Tour. Alguma coisa mágica aconteceu na minha cabeça, quando vi meu filho dançando e cantando empolgado ao meu lado, de repente me esqueci da mágoa, cinquenta anos depois eu estava na plateia, cantando e vibrando com eles, embora fosse apenas o Paul, redimido.

O espetáculo continuava belo, sonoro e estranho, era difícil ver o cantante tal a distância, entre mim e ele balançavam umas cinco mil pessoas ensandecidas. Sei que sou mais alto do que a maioria, mas não chego a ter uma estatura que me ajude muito, sempre havia alguma cabeça escassa que se avantajava naquela superfície tormentosa e me impedia de ter uma visão perene do astro. Nós o víamos melhor pelos enormes monitores ao lado do palco. Em determinado instante, quando a falange do exército do rock abriu um espaço, estiquei o braço para aferir o tamanho do Paul que correspondeu a um tarso de meu pequeno polegar. Estávamos no estádio ouvindo ao vivo mas vendo pela televisão.

Algumas gotas começaram a molhar meus braços. Abri minha mochila e distribuí os impermeáveis pela família. Era uma oportunidade excelente para inaugurar minha jaqueta de velejar em mau tempo recentemente comprada em Miami. Vestimos tudo que podíamos e a chuva engrossou. Foi bem quando soou All my Loving.

Poucas das coisas que aprendi fora da escola me foram tão úteis quanto tocar violão. Fui convidado a muitas inolvidáveis festas para levar o pinho, ainda tenho o que foi meu segundo instrumento desde 1965. E eu só podia ir como acompanhante porque a viola não tocava sozinha, mas me deu um filho, conheci minha mulher tocando para amigos. Quantas vezes aliviei minha alma, sentado com o violão no colo tocando para mim mesmo repetidas vezes, como se estivesse rezando... Uma dessas músicas que eu gostava era All my Loving.

É interessante o quanto uma melodia pode tocar nossa mente. Alguma pontada nostálgica me machucou ao mesmo tempo em que eu cantava em dueto com Guilherme, em coro de milhares com o estádio. Não consegui deixar de pensar naquele período tão próximo, tão vivo, mas tão longe. Rolavam as gotas da chuva como se lágrimas fossem, ou talvez rolassem lágrimas derramadas do céu. O mergulho no incompreensível da mente, na emoção inexplicável, valeu o espetáculo, pois foi despertado por ele. Tremi de frio e de sentimento.

À volta havia gente de todo tipo, pouco à minha frente um pai segurou a filha, cerca de doze anos, no ombro por duas músicas, depois já não suportou a carga. Não que ela fosse grande, grande era ele em anos. Imagino o que teria motivado uma menina, que vive uma cultura musical tão diferente da minha, a assistir um velhote que poderia ser bisavô dela. Atrás de mim uma adolescente do meu tempo, seguramente sexagenária, dançava freneticamente, dava gritinhos. Tivesse acontecido na época devida seria mais uma das meninas histéricas da plateia. Mantidas as restrições que são normais a uma coroa empedernida, ela bem que estava um pouco histérica.

Nos intervalos Sir McCartney ainda usava de bem ensaiadas palavras que ele lia.

- “Cosa mash linda! Istepô!”

Expressões típicas, belas e exclusivas de nossa Manesílha e arredores.

As músicas com rótulo Beatles foram as mais apreciadas por nós, notei que quase todos conhecem as letras. Chegou-se ao delírio com Hey Jude, Paul terminou de canta-la e se retirou por alguns minutos quando, espontaneamente, a plateia se pôs a cantar o refrão. McCartney voltou com expressão de alegria. Talvez isso o tenha motivado a esticar a apresentação, foi o mais longo show desta turnê, provavelmente a única vez que ele cante para nós por aqui. Talvez fosse um truque.

Também foi caro, muito caro, descobri que eu poderia ter comprado ingresso de idoso, meu filho de estudante e, dado que sobraram espaços na arquibancada, teve gente que comprou lugares mais nobres pelo mesmo preço que eu. Mas valeu cada centavo, cada segundo, cada gota de chuva, cada vibração de meus tímpanos.

Para encerrar, uma frase de profunda reflexão, dita por um sábio mané:

- “Quem não foi perdeu de ir.”


Moacir Carqueja
Moacir Henrique de Andrade Carqueja
Engenheiro Civil e professor universitário aposentado.Casado, pai de três filhos, residente e apaixonado por Florianópolis.


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