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Colunas


O Zelador
por Moacir Henrique de Andrade Carqueja

Data: 21-03-2012

 


Quase todo condomínio tem um zelador que costuma ser a figura central do convívio de seus moradores. É o porta-voz das notícias boas e más, é quem divulga quem é corno, qual mulher é fácil, sabe da vida sexual de cada um, e funciona dando e recebendo as informações como um agente duplo. Melhor do que fixar uma reclamação em quadro de avisos sobre algum residente que esteja extrapolando o limite do bom comportamento é fazer uma fofoquinha com ele. Em poucas horas todos saberão do problema, muitos estarão até motivados em convocar uma reunião para tratar do assunto. É batata.

Claro que no meu edifício não é diferente, nosso funcionário tem exatamente este perfil, mas tem outras qualidades que o fazem único e interessantíssimo. Uma delas é sua real inocência, parece uma criança de poucos anos. E é apavorado com qualquer sintoma de doença, seja lá que bobagem apareça.

- “Seu Moacir, a doutora vai tá em casa hoje de noite? É que eu queria que ela visse o resultado dos meu zinzame.”

Mas ele é ansioso, não pode esperar.

- “Eu sei que sinhô não é médico, mas estudô. Pode dá uma olhada no zinzame?”

Eu sempre caio nessa, não consigo dizer não para o velho, mesmo sabendo que não entendo nada daquilo. E ele é daquele tipo que guarda os valores que vêm nos laudos, um daqueles chatos que pensam que todo mundo sabe isso de memória (se você é um deles saiba que nem os médicos decoram os limites).

- “Seu Moacir, 120 é muito alto?”

É quando começa meu arrependimento de dar atenção ao hipocondríaco. Tenho vontade de perguntar: 120 do quê? Por outro lado, penso na coisa divertida que é curtir aquela confusão que ele faz misturando tudo.

- “Mostra o exame, que eu vejo, mas não sou médico, não entendo nada disso.”

Então ele se realiza, feliz, o que desejava era mesmo exibir orgulhoso o tal papel. Depois é aquela dificuldade de me livrar dele, não sei como tem tanta curiosidade e tanta criatividade para elaborar tantas perguntas, só consigo sair com a antipática chave de galão:

- “Eu tenho um compromisso, uma pessoa vai me ligar lá em casa e não posso perder.”

Mesmo assim ele me acompanha até o elevador, segura a porta para alguma questão de último minuto.

Não há outro médico no edifício além de minha ginecologista caseira, mas não importa, nosso personagem vai perguntar e mostrar seus zinzame para todos que tiverem a infelicidade de passar pela portaria quando ele estiver presente e com o envelope sobre a mesa. E não adianta tentar arranjar uma desculpa para se livrar da consulta, ele é mais criativo e terá sempre um argumento irretocável a seu favor.

Dia desses, eu vinha caminhando do centro da cidade, fazia calor, e ele estava sentado na borda do canteiro do jardim, com a portaria aberta para entrar o vento de nordeste, camisa aberta no peito para se refrescar. Quando me viu adiantou-se para me receber na escadaria.

- “Seu Moacir, o sinhô vai perdê um amigo meio logo.”

E já começou a chorar, que também é uma de suas mais fortes marcas, é extremamente emotivo. Já conheço a peça, com voz divertida e em tom e deboche, para arrancar o pessimista de seu estado depressivo, retruquei:

- “O que houve, velho? Já recebeu a extrema unção?”

- “Tou com uma ardência quando mijo, já não sei mais o que eu faço.”

- “Pode ficar tranquilo, vai ao médico que ele resolve, isso aí é uma infecção urinária, ele vai dar um remedinho e em uma semana não vai ter mais nada.”

- “O sinhô não acha que isso pode ser um câncer? Eu tô disconfiado.”

Eu subia lentamente, degrau a degrau, a escadaria e percebi sua esposa, que também trabalha no condomínio, sentada na portaria.

- “Conta aí pra mim. O senhor não andou comendo alguma menininha da Conselheiro Mafra? Eu acho que andou mijando fora do pinico e pegou uma braba.”

Do pranto ao riso frouxo.

- “Ah, antes fosse, já não faço mais isso nem em casa.”

- “Em casa não pega nada, quero saber se faz fora.”

Ele levanta o olhar para a esposa. Fala alto para que ela ouça.

- “Ela às vezes qué que eu funcione, mas tou velho, já era.”

Nossa encarregada da limpeza é tímida, mantém a face sempre contrita, mas é pessoa de bom humor, embora de pouca escolaridade é polida, daquele tipo hilário e formal como os ingleses. Mantendo-se a localização geográfica, personalidade britânica numa alma mané.

- “Eu acho que seu marido andou se divertindo lá na Conselheiro, por isso tá com essa ardência.”

Ela sorriu.

- “Seu Moacir, eu também acho, ele não quer nada comigo ultimamente.”

Mas a ideia fixa não o abandona.

- “O sinhô acha mesmo que isso não é coisa mais grave?”

- “Fica tranquilo, que vai ser moleza. O médico vai pedir um exame de cultura de urina e depois receita o antibiótico.”

- “Isso mesmo, como o sinhô sabia? O médico me pediu uns inzame novo. Um nome complicado, parece urubu.”

- “Urocultura?”

- “Isso mesmo, o sinhô não é médico, mas sabe. O que é o estudo.”

De fato meu diagnóstico se confirmou e poucos dias depois ele já não tratava daquele episódio. Mudou de assunto, o futebol.

- “Viu o meu Figueira ontem?”

- “Não vi, ganhou?”

- “Deu um banho de bola. E o seu Avaí?”

- “Nem sei, jogou?”

- “Perdeu de novo.”

No ano que o Figueirense caiu para a série B, ele se exasperava.

- “Eu não vou mais no campo. Com esse timinho não dá, o Figueirense tem que comrprá jogador, eles só querem vendê. Juro que nunca mais vou vê futebol.”

Mas essa paixão atravessa fronteiras.

- “Viu o meu Flamengo? E o seu Botafogo? Tá ruim, né?”

- “O meu Corinthians só me dá alegria.”

- “Eu sempre fui gremista. Agora com o novo técnico vai.”

Tudo isso acontece quando o Figueirense vai mal, mas basta vencer uma partida e lá está o velho no estádio e os seus times do coração além fronteiras passam a ser adversários.

- “Seu Moacir, a única alegria que tenho na vida é o futebol e o meu Figueira.”

Qualquer pessoa com mais de 60 anos deve fazer exames rotineiros, cada vez mais numerosos e invasivos. Passada a ardência uretral, em meio a comentários sobre memoráveis partidas de ludopédio que serão olvidadas em poucas semanas, chegou o momento de fazer uma colonoscopia. Ele me viu saindo do elevador e me cercou na garagem.

- “Eu preciso fazer umas pergunta pra doutora, tenho que fazê essa tal de clonospia.”

- “Colonoscopia?”

- “É. To com medo, isso dói muito?”

- “Fica tranquilo, vai ser anestesiado.”

- “Seu Moacir, a gente vai ficando velha e vai tomando na bunda.”

- “É a primeira vez?”

Ele deu uma gargalhada, tossindo aquele pigarro de mais de meio século de nicotina e alcatrão.

- “Depende. No inzame é a segunda vez, mas como se diz, tomá na bunda mesmo, eu, graças a Deus, nunca tomei.”

- “Se já fez colonoscopia uma vez já sabe como é, por que me perguntou?”

- “É que o médico disse que tem um comecinho de câncer, que eu tenho que tirá antes que fique grande. Por isso vou de novo.”

E lá vem o pranto.

- “Seu Moacir, não sei como é que minha senhora vai ficá se eu morrê. O sinhô sabe que eu vivo só pra família.”

Fugi dele, que me seguiu até o carro e ainda ficou falando na janela. Imagino o quanto ficou famoso o tal exame de nosso zelador, deve ter chorado diante de todos os residentes. Como esperado saiu-se bem do procedimento e está dispensado por dois anos, com o rabo zerado.

A última de suas angustiantes entrevistas comigo se deu quando uma gripe evoluiu para pneumonia. Com olhar abatido eu o encontrei sentado na borda do canteiro na entrada do prédio, fumava um cigarro.

- “Seu Moacir, eu acho que não vou muito longe to fudido.”

Realmente seu aspecto era ruim, taciturno, como se um bando de urubus estivesse já orbitando sobre sua carcaça. Estava com pressa e procurava uma forma de fugir do papo, mas sempre caio na armadilha.

- “Está triste? Algum exame deu alterado?”

- “Tava com gripe, fui no posto de saúde e a médica pediu uma chapa do pulmão, deu que to com peneumonia dupla.”

Fiquei com pena do velho, mas aproveitei para fazer uma cobrança.

- “Acho que tem um jeito de acelerar o processo.”

- “O sinhô conhece uma cura rápida?”

- “Não, um enterro. É só continuar fumando. Com pneumonia é ótimo.”

- “Essa praga é danada, eu não consigo pará. Mas peneumonia num tem nada que vê com o cigarro.”

Foi assim que descobri uma forma de encerrar nossas conversas.

 


Moacir Carqueja
Moacir Henrique de Andrade Carqueja
Engenheiro Civil e professor universitário aposentado.Casado, pai de três filhos, residente e apaixonado por Florianópolis.


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