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Corrida Matinal
por Moacir Henrique de Andrade Carqueja

Data: 21-11-2012


Só quem tem o vício do exercício aeróbico pode entender isso. A maior parte dos mortais comuns, por comodidade e preguiça, perdeu esse hábito salutar. Na verdade nem é hábito, é quase necessidade posto que nossos antepassados tinham que correr para se livrar dos predadores e para conseguir seu almoço de alto valor nutritivo, a caça. Correr está em nosso DNA, os primeiros passos de uma criança não são caminhando normalmente, mas trotando. Não me perguntem detalhes técnicos, é apenas uma intuição.


Pois durante muitos anos eu curti este prazer de me embriagar com endorfinas, de esquecer de minhas rinites (esse é um dos efeitos colaterais mais percebidos por corredores), do comer como um náufrago em todas as refeições e permanecer esquálido. Isso durou até que meu joelho dissesse que era hora de parar, protesto que não é negociado com a cabeça do comando. Nada disso, é na força bruta, parece coisa de terrorista, começa com uma dor persistente que em alguns minutos de trote se transforma numa fisgada insuportável. Hoje minhas corridas estão na saudade gostosa, nas lembranças de um tempo em que distâncias eram agradavelmente vencidas com tênis, suor, calorias e endorfinas.

Dentre as boas lembranças que guardo está uma corrida que costumava fazer aos domingos pela manhã quando morava na Lagoa, ainda década de 1970. Tinha que ser num dia de folga porque não havia iluminação no trajeto e não era possível percorrê-lo à noite, depois do trabalho.

Era março e me levantei perto das sete. Fiz meus alongamentos com preguiça e me hidratei. Não gostava de comer antes de correr, muitas vezes o alimento me incomodava no estômago e em menos de uma hora estaria em casa, pronto para um repasto.

Saí devagar, controlando o tempo no relógio de pulso, que naquele tempo ainda não existiam digitais, o macete era esperar que o ponteiro dos segundos passasse pelo 12 antes de largar. Assim eu poderia avaliar minha velocidade quando atingisse certas marcas do percurso cujo tempo estava memorizado. Subi a pequena ladeira da minha rua, de terra batida e ganhei o asfalto. Estava fresco e eu ainda estava frio, o começo da corrida costuma ser um pouco penoso. Logo iniciei o descenso em direção ao Morro das Sete Voltas, o que fez meu aquecimento ficar mais fácil. Virei à esquerda no caminho para o Canto da Lagoa e deixei o asfalto.

Aqui e ali havia alguma casa de nativos, naquele tempo a chegada de outros brasileiros estava apenas começando, veículos eram raros e não era incomum que eu percorresse todo meu trajeto, na parte onde não era pavimentado, sem passar um só automóvel. Era agradável ouvir meus passos na terra, dado o silêncio que reinava quebrado por algum mugido, latido de alguma bucica (cadela em manezês) impertinente, uns poucos passarinhos que escapavam das arapucas (uma maldade que parece estar diminuindo), um ou outro galo provocando a vizinhança emplumada.

Desci o S depois da entrada para o LIC e senti um aroma agradável. Em março os espinheiros, ou maricás, florescem e exalam um perfume bem característico, não é excepcional, mas eu gosto. Sendo uma árvore abundante na ilha, ainda se pode identificar seu cheiro no ar quando chega a época. Meu ritmo era quatro minutos por quilômetro, meu padrão de prática, conseguia correr por duas horas ininterruptas nessa velocidade, coisa que eu fazia pelo menos um domingo ao mês, mas nesse dia o objetivo era apenas contornar a lagoa menor, 10,5 km.

Nunca senti fome correndo, mas os cheiros de comida sempre foram bem recebidos. Alguém coava um café que eu percebi como um cão que busca comida pelo faro.

Aquela freguesia era uma dádiva, a pequena aldeia açoriana ainda vivia intocada, embora agonizante. Uma cultura invasora chegaria com os bolsos carregados de dinheiro para desalojar os nativos. Os migrantes fariam isso sem se preocupar se estariam maculando tradições, proibindo a farra do boi, com ela o boi de mamão, poluindo a água, introduzindo a maconha e a cocaína numa comunidade que nem tinha fechadura nas portas. Até então não havia furtos nem assassinatos naquelas paragens. Inacreditável, nem banheiros nas casas.

Na solidão do esporte individual somos forçados a meditar, não há com quem discutir, não existem distrações. Cada passo tem que ser calculado, estudado rapidamente para evitar um buraco, um caroço no piso ou contrair os músculos para compensar uma inevitável irregularidade local. Correr é fazer autoanálise, é deitar num divã imaginário suportado pelas próprias pernas conversando em pessoa com Freud, que é você mesmo. Eu devaneava enquanto corria evitando as sarjetas cavadas pela erosão e procurava os depósitos arenosos onde o piso é mais macio, todo fundista busca reduzir o impacto para poupar suas articulações. Essa rotina, que nunca é igual, nos coloca atentos ao percurso e ao ambiente, jamais se sabe quando um cão mais agressivo vai nos incomodar, mas, ao mesmo tempo, relaxados. Os problemas do dia-a-dia só retornarão mais tarde, agora não existem. O analista de verdade custa caro e não reduz o colesterol.

Havia um menino que sempre me fazia companhia. Imagino que teria seis ou sete anos. Da primeira vez que o vi ele permaneceu parado ao lado da estrada, imagino que morasse ali, me observando curioso, mas nas ocasiões subsequentes ele me acompanhava por cerca de cem metros mostrando que era mais veloz, quando se cansava se despedia com o olhar de superioridade, de quem me havia derrotado.

Agora era a vez do Morro do Badejo. Nome estranho, nunca vi dar peixe em montanhas. A subida arborizada começa abruptamente depois de uma curva para a esquerda, reduzo o tamanho da passada e mantenho o ritmo, a pulsação sobe inexoravelmente. Agora minhas endorfinas estão fazendo seu trabalho, não sinto dores nem desconforto, só estou ofegante.

Há um momento em que descobrimos qual a cadência adequada para a declividade, com a experiência de passar muitas vezes no mesmo local torna-se intuitiva, e subo a colina com pouca dificuldade até o cimo, onde mantenho o passo curto para me oxigenar.

Morro abaixo ninguém me segura. Com tal pensamento sempre abria a passada nos declives e soltava a velocidade até o limite de meu controle para evitar uma queda, como fazem os ciclistas, mas corredores não podem parar de pedalar. Mesmo desembestado eu sentia que a oxigenação estava melhor e já recuperada da subida.

Daí era uma longa pernada plana e sem pavimento até a Avenida das Rendeiras. O único incômodo, embora muito raro, era a poeira de algum automóvel que ousasse enfrentar as costelas da estrada. À esquerda a lagoa, à direita um deserto de areias alvas. Eu camelo.

Com a proximidade de casa me instigo a aumentar um pouco a velocidade. Viro à esquerda quando chego nas Rendeiras e me avalio, quero sentir quanto posso puxar. Enquanto isso, encontro alguns conhecidos pescadores de camarão que passavam dias e noites matando os crustáceos na ponte, até sua extinção. Cumprimento a manezada e solto as pernas. É pouco mais de duzentos metros de volada, passos longos e rápidos em final anaeróbico. Há que se treinar e dosar bem para saber quanto se suporta com precisão, pois apagar antes da meta numa prova é um vexame.

Cheguei. O coração está galopando, querendo saltar pela boca, eu caminho por um minuto lentamente enquanto aguardo meu organismo se oxigenar e vou curtir a viagem.

Deito no chão e relaxo por alguns minutos, embevecido pelas endorfinas, um barato legal e barato. É um transe fantástico, um sentimento indescritível que só quem já sentiu sabe o que é.

Depois um chuveiro e café com tudo que se tem direito.

Sem medo da balança.

E me imaginando imortal aos 28 anos de idade.


Moacir Carqueja
Moacir Henrique de Andrade Carqueja
Engenheiro Civil e professor universitário aposentado.Casado, pai de três filhos, residente e apaixonado por Florianópolis.


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