Data: 24-05-2012
Corria aquela manhã nebulosa de outono, quase inverno, e Marciano estava sentado preguiçosamente ao lado do antigo quiosque de palha, agora substituído por uma cobertura metálica de gosto discutível. Olhava para aquela obra com tristeza por ver que o espaço aberto e agradável estava irremediavelmente modernizado. Era cedo e não se propunha a bebericar ainda, esperaria pelo almoço.
No pátio acontecia uma faina apressada dos participantes da regata que seria corrida naquele dia cinzento, com todas as previsões apontando para calmaria. Um desses marujos, o Álvaro Mecking, chegou-se para uma conversa fiada. Papo de gaúcho com mané.
- “Marciano, tu acha que vai dá vento?”
- “Nem a pau. Tu vais correr a regata?”
- “To com vontade. Tem a versão para cruzeiristas.”
- “Qual a diferença?”
- “Tem regras especiais, podem correr barcos sem medição de rating e é bem mais curta.”
- “Ô Álvaro, parece que é para aprendiz.”
- “Isso mesmo, é a regata pediátrica. A gurizada larga com seus brinquedinhos, dá uma volta numa boia na frente de Coqueiros, e chega, no máximo meia hora pra não cansar os meninos.”
- “E depois?”
- “Vamos para o bar encher a cara, que é o que cruzeirista sabe fazer.”
Estavam naquele diálogo náutico quando Matias Wronsky apareceu. Marciano estranhou aquela figura que pouco frequenta o Veleiros da Ilha, ainda mais tão cedo.
- “Olha quem está aí! Wronsky, que fazes aqui esta hora, que eu saiba tu só apareces depois do almoço.”
- “É verdade, mas hoje é especial.”
- “Vais correr a regata aproveitando que tem a classe cruzeiro?”
- “Não, eu tou fugido de casa.”
- “É dia de faxina?”
- “Pior. Muito pior.”
Mecking, que estava calado desde que o polaco chegou, também entrou na conversa.
- “Não conheço nada pior do que dia de faxina em casa, as mulheres ficam insuportáveis.”
- “Visita de parente.”
Marciano deu uma risada imaginando quem seria.
- “Sogra?”
- “Pior.”
- “Peraê, não tem visita pior do que sogra.”
- “Cunhado. O irmão caçula da Isaura apareceu ontem à noite.”
- “Veio te pedir dinheiro?”
- “Não.”
- “Emprego?”
- “Nada disso, ele se casou de novo e nem convidou a família, veio apresentar a nova mulher.”
Wronsky é de tradicional família polaca e, como tal, fervoroso católico. Quando João Paulo II foi eleito ficou entusiasmado de ver um polonês ocupando o trono da Igreja Apostólica Romana, desde então coleciona fotos do pontífice em seu escritório, quem observa atentamente percebe que é uma galeria onde se vê a decadência papal pela idade.
Marciano fez uma observação indagativa.
- “Devias ficar contente, nem tivesse que ir ao casório, fazer terno novo, comprar uma bugiganga, perder um fim de semana.
- “Eu nem ligo pra isso, e não ia mesmo.”
- “Aposto que tu não aprovas esse casamento.”
- “Não é que eu não aprove, embora considere que esteja errado, na verdade não me cabe julgar. Quero que ele fique lá e eu aqui. Cada um no seu quadrado.”
- “Ela é chata?”
- “Pelo contrário, muito dada. Gostei muito da cunhada.”
- “Teu cunhado é chato?”
- “Muito, sempre foi esnobe, parece que tem um rei na barriga de tão prepotente.”
- “É por isso que fugiste?”
- “Exatamente. Não aguentei a barra.”
Fez-se um silêncio momentâneo que foi interrompido por Mecking.
- “O que ele fez de tão desagradável, tem alguma coisa especial?”
- “Ele me apresentou a Carolina, sua nova mulher.”
- “Mas isso é desagradável?”
- “Precisas conhecer.”
- “Já disseste que ela é legal, te explica, porra.”
- “Tem vinte e cindo anos, menos da metade da idade dele.”
- “Isso te incomoda?”
- “A princípio não...”
- “Então, Matias, volta pra casa e convida o cara pra tomar uma cerveja aqui no clube.”
O polaco meditou por um momento antes de continuar o que estava tentando dizer.
- “Deus me perdoe, mas ela é muito gostosa. E ele chamou a Carolina e pediu para ela me mostrar a borboleta tatuada na virilha.”
Fez uma mímica baixando a cintura da bermuda até que a parte alva do ventre e parte do matagal aparecesse.
- “E eu fiquei ali espiando. Até disse pra ele: nooossaa, que perigo!”
- “Teu devias ficar contente, com uma coisinha assim em casa, desperta a inspiração.”
- “Vocês não entenderam nada mesmo. A Mirtes tá com 62. Esse filho da puta veio pra minha casa só pra me sacanear!”
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