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Colunas


Doutor do Boi de Mamão
por Moacir Henrique de Andrade Carqueja

Data: 28-06-2012

 


Os recém-chegados ao nosso litoral encontram os resquícios de uma cultura em extinção, que tanto exaltamos, mas da qual já perdemos muito. Fala-se muito de nossos antepassados açorianos, encontramos nomes de logradouros que se reportam aos imigrantes, muita gente pensa que os que aqui chegaram seriam pescadores por tradição. Nada disso, grande parte da população do arquipélago era de cristãos novos, judeus convertidos (em geral na marra) ao cristianismo, alguns deles inicialmente apenas fingiam a nova fé, cuja principal atividade econômica era o pastoreio. A conversão à pesca foi uma necessidade econômica dos que aqui se radicaram, visto que não temos pastos naturais no nosso litoral. Uma grande parte dessa gente caminhou adiante em busca dos campos de Lages e da campanha gaúcha.

Sendo pastores trouxeram com eles as brincadeiras derivadas do dia a dia com o gado, a mais famosa e polêmica é a farra do boi. Outra manifestação, consequência dessa tourada popular, é o boi de mamão que é expressão cultural da maior importância, porquanto é uma farra do boi ritual sob forma de teatro popular que mistura poesia, música e sátira. Para os que não tiveram o prazer de assistir esse espetáculo vou descrever rapidamente para se situarem.

O personagem principal é o boi, construído com um corpo de madeira leve revestido de um lençol velho. Muitas vezes usavam um mamão para formar a cabeça, de onde veio o nome com que se conhece hoje. Um grupo canta músicas sobre o tema enquanto o boi investe contra o público que assiste, entretanto sem ferir a plateia. Um toureiro, geralmente muito bem humorado, faz malabarismos e dança diante do animal, é conhecido por Mateus. Finda a apresentação do Mateus entra o cavaleiro, que é uma evocação das touradas equestres portuguesas. O balé continua com o boi carregando e o cavaleiro habilmente se esquivando. Em determinado momento o cavaleiro, por tradição, arremessa ao patrono, quase sempre o dono da casa onde se dá a apresentação, uma trouxa que deve ser recheada com o pagamento do espetáculo e lançada de volta. O patrono teve como avaliar a qualidade da arte pela primeira parte e os saltimbancos poderão definir o grau de dedicação até o final pelo valor da oferta dentro da trouxa.

Depois aparecem outros personagens. A Maricota é uma boneca enorme com mãos pesadas, geralmente sacos de areia, que se requebra e gira dando tapas ao acaso na assistência. A Bernunça é um animal enigmático, com boca enorme, parece um hipopótamo, dizem que sua origem é o dragão chinês, pois pode ser composta de muitas patas e engole pessoas literalmente. Quando isso acontece o Mateus mexe na parte de trás do animal para que expurgue o alimento. Dizem que moças de família não podiam ser engolidas, pois não se via o que acontecia dentro do corpo. Era como na piada da maçonaria, nunca se fala o que acontece lá.

Dentro da liturgia tradicional o boi morre e causa uma enorme tristeza. Um doutor é chamado e usa de poderes mágicos para ressuscitar o animal. É momento de sátira, debocha-se do padre, da autoridade política e até do patrono. Muito de improviso se dá nesse ato. Quanto mais criativo for o grupo, mais tarda essa parte, que pode ser comparada a outra de nossas tradições Brasil a fora, que é o casamento na roça das festas juninas.

Dependendo do julgamento da trupe quanto à oferta do patrono, ocorre um agradecimento mais ou menos enfático ao fim do espetáculo, quando o grupo vai em busca de outra gorjeta cantando pelas ruas.

Infelizmente tudo isso está morrendo, pois a tradição só tem sentido enquanto cada família mantiver uma ou duas cabeças de gado no quintal de casa, o que já não é mais possível, dada a urbanização e, principalmente, pela perseguição à farra do boi, vendeta defendida por forasteiros que por aqui se instalaram.

O argumento não foi dito apenas para defender nossa tradição, mas para contar um causo. Estávamos conversando no trapiche do Veleiros distraidamente, quando meu amigo Guto fez um comentário ácido:

- “Tomem cuidado com o que falam porque o Carqueja está aqui, depois ele entrega tudo.”

Rimos da verdade. Mas contador de causo é contador de causo, não resiste.

- “Carqueja, vou te contar uma história, mas não podes dizer que fui eu que te contei”

- “Juro, mantenho a fonte em segredo, preservo-a como faz a revista Veja com os delatores do caso Cachoeira.”

Guto pensou um pouco, depois mudou sua opinião.

- “Podes dizer que fui eu mesmo. Tem mais, eu quero que tu te encontres com meu pai, que ele tem um monte de causos pra te contar.”

- “É só marcar o churrasco ou o caldo de peixe.”

Nos anos quarenta só se viajava pela costa brasileira de navio. Não havia estradas e nossos aviões caiam mais do que jogador argentino em fim de partida quando estão nos vencendo. E vice-versa. Além disso, o emprego de embarcado era bom.

Em tal cenário havia um indivíduo que tinha um caso com certa viúva. A mulher ainda era bela e tinha filhas já em idade de namorar. O relacionamento era supostamente secreto, mas na cidade de Laguna, que era muito menor do é hoje, a única pessoa que não sabia era o padre, porque isso não é coisa que se conte em confessionário.

Certo dia o galante mancebo consegue um emprego num Ita e desaparece no horizonte para ressurgir apenas um ano depois, encontrando a amada amancebada com outra pessoa.

- “Carqueja, tu acreditas que um sujeito possa imaginar que uma amante vá ficar um ano esperando por alguém que não dá notícia? Não dá, né?”

- “Concordo, ainda mais uma viúva que passou parte da vida bem tratada."

Sentindo-se derrotado, o marujo buscava vingança de toda forma, para isso teria que estar atento a qualquer oportunidade. É notável que essa população do nosso litoral goste mesmo de uma briguinha, nada demais, umas porradinhas aqui e ali, alguém sai sem um ou dois incisivos, um pouco de hemácias pelas ventas, e pronto. Mas enfiar porrada na amante de terceiro não era coisa comum. Bater em mulher, mesmo a dos outros, era falta de ética que terminou junto com a farra do boi.

A grande chance veio quando uma trupe do boi de mamão foi convidada a se apresentar na casa da antiga namorada.

O espetáculo seguia seu curso normal até que o boi morreu. Então o marujo pediu para ser o doutor, no que foi prontamente atendido em seu pleito. Fez os diálogos como se esperava, as brincadeiras tradicionais e improvisos, até que chegou o momento de acordar o defunto. Com voz impostada e alta, caprichando nos vocábulos para que todos compreendessem, recitou:

Levanta-te boi e sacode

O rabo, os culhões e vem,

Se a dona da casa fode,

As filhas fodem também.

Claro, o pau comeu por mais de meia hora, aos costumes.

Recentemente, lá para os lados do Sambaqui, um boi de mamão desfilava e a família do Guto estava acompanhando a trupe. Parou para apresentação em uma casa, curiosamente uma conhecida viúva com uma bela filha que se postavam nas janelas frontais para assistirem ao espetáculo. Guto gelou quando viu seu Valdemar, também viúvo, que se candidatara a doutor, começar a recitar sem medo:

Levanta-te boi e agita

O rabo, a carcaça, e vem,

Se a dona da casa é bonita,

A filha é bonita também.

Mas era só um galanteio de seu pai.


Moacir Carqueja
Moacir Henrique de Andrade Carqueja
Engenheiro Civil e professor universitário aposentado.Casado, pai de três filhos, residente e apaixonado por Florianópolis.


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