Data: 21-09-2012
É o sonho de todo consumidor, um carro barato movido a gasolina barata. É o barato, marido da barata. É como árabe pacifista, político honesto, mulher virtuosa, dizem que existe. Mas quem prova?
Severino foi à concessionária para comprar seu primeiro zerinho, aproveitando a redução do IPI. Como bom nordestino tem uma prole vasta e queria um carro um pouco maior, mas concluiu logo que teria que optar entre um compacto novinho ou um maior usado. Tinha que ser um carro chique, que chamasse a atenção. Dane-se a família; a sogra e os filhos mais velhos que andem de ônibus, ou montados num jegue; ninguém iria lhe tirar o gostinho de sair de carro novo com aquele cheirinho especial. Fez as indagações de praxe ao vendedor e voltou para casa em Bonsucesso, onde se aconselhou com um vizinho que trabalhava num escritório de contabilidade.
- “Zeca, tô cuma coceira da gota, eu tenho uma graninha guardada e quero aproveitá pra comprá um carro novinho pra desfilá por aí.”
- “Qual o valor do carro?”
- “Eu tou pensando nuns cinquenta mil, talvez um pouco mais, dependendo da prestação do financiamento.”
- “É carro chique, é caro.”
- “É a única vez que vou comprá zero, tem que tê ar, direção e vidro elétrico. Tem que fazê inveja na vizinhança.”
- “A família cabe no carro?”
- “Cabê, num cabe, mas a gente dá um jeitcho, bota os bacuri no colo. E se não dé, azar, quem sobra vai de latão.”
O vizinho pegou uma folha de papel.
- “Já que tu qué mudá de carro e vendê a Kombi, tem que avaliá quanto vai te custá o carro novo por mês, vê se cabe no teu orçamento. Tua Kombi tem nome, como é que é mesmo?”
- “O nome da Kombi é Marieta. E esse custo aí que tu tá falando é pouco, visse?, carro novo não quebra, é quase que só a gasolina e a prestação. Vou economizá, conheço uns posto que vende gasolina bem mais em conta.”
- “Severino, o valor que se paga pela gasolina pouco influencia no custo do carro.”
- “Como que é pouco? Se eu não rodo não gasto nada.”
- “Tá pensando que é como puta que só se paga quando usa?”
- “Não tem nada mais caro, pra andá de carro, do que a gasolina.”
- “Vou te mostrá que não é assim. Vamo considerá o IPVA, que varia conforme a cidade, mas vai te custá perto de mil e 800 reais por ano.”
- “Bem lembrado, cidadão, vou tê que diminuí da minha poupança e botá no financiamento.”
- “Não era essa a minha intenção, só tou computando. Tem ainda o seguro. Se tu bate ou se algum malandro te afana o carro? Tem que fazê seguro total, dependendo da franquia pode custá mais ou menos, acho que sai por outros mil e 800.”
- “Ó xente, é mesmo, num vou dá sopa pro azar, mas dá pra parcelá, que eu sei.”
- “Dá, mas tu vai tê que pagá, malandro, é custo, ora.”
- “Isso eu dou um jeitcho. Que mais?”
- “Garagem. O carro novo vai ficá dormindo na rua que nem a Marieta? Podem não te ganhá o carango, mas neguim vai te sacaneá.”
- “De jeitcho ninhum, até minha muié pode dormí na rua, mas um carango novinho tem que tê garagem. Vou alugá uma.”
- “Isso, o 211 do bloco B tem uma vaga vazia e qué trezentas prata por mês.”
- “É um ladrão da porra. Eu não pago.”
- “Mas também não estaciona.”
- “Cidadão, para com tanta gastança, já tou com vontade de ficá com a Marieta, quanto deu?”
- Ainda não, Severino. Tá faltando a manutenção.”
- “Tu tá querendo me rogá praga, vira essa boca pra lá, seu urubuzento. Já te disse que carro novo não quebra.”
- “Mas gasta, tem que fazê revisão, tem que trocá óleo, gasta peneu, queima lâmpada, arranha no estacionamento, sempre tem imprevisto.”
- “Mas isso é pouco, seu boca de galinha preta de despacho.”
- “É pouco, mas é.”
- “Quanto?”
- “Não sei, a gente tem que chutá um valor. Que tal cento e cinquenta por mês? Só que eu acho que vai dá mais.”
- “Tá bom assim, não inventa coisa ruim. Tem mais alguma coisa?”
- “Combustível. Disso dá pra se tê uma ideia bem apurada. Quantos quilômetros esse carro vai rodá por mês?”
- “Considerando as viage, vou até o Ceará todo ano de latão, mas agora é de carro, uns dois mil quilômetro."
- “A gente pode tomá uma média de dez por litro, são duzentos litros por mês.”
- “Pára com isso, seu lazarento, na estrada faz mais.”
- “No engarrafamento dá muito menos. Isso vai te custá uns quinhentos reais por mês.”
- “Agora a gente temos que somá com a prestação do financiamento?”
- “Não, Severino, o financiamento só te custa nos juros e taxas que te cobram. A prestação não é custo, mas amortização da dívida. Nem tou apurando aqui.”
- “Zeca, se eu tou pagando, é custo.”
- “Pois ainda tem outro custo, que é a depreciação do carro.”
- “Eu cuido bem, não deprecia nada.”
- “Carro é como mulher, mesmo que não se use envelhece. Só de tirá da loja já vale menos.”
- “Não tirei a minha de loja, mas eu não tenho grana pra trocá a Zefa. Ah se eu pudesse. Se tivesse como, ia casá com uma artista de novela da Grobo. É tudo carne de filé, nem precisa cuzinhá.”
- “Quanto é que um dono de carro do mesmo modelo tem que desembolsá pra trocá um carro do ano passado por um zerinho?”
- “Acho que uns dez mil.”
- “Pois é o que tu vai pagá no ano que vem se quisé renová o carro. Isso é depreciação.”
- “Se eu não posso nem trocá de muié, não vou trocá de carro.”
- “Não importa, é o que o teu carro vai valê. Tem uma perda de dez mil no primeiro ano.”
- “Quanto é que dá tudo isso?”
Zeca pegou a calculadora para dividir cada valor anual por doze e depois somar tudo.
- “Esse carro vai te custá perto de dois mil e cem reais por mês.”
- “Tá com a gota! Não pode, é quase quanto eu ganho!”
- “Severino, ouve meu conselho, não entra nessa que tu não vai podê sustentá esse luxo.”
- “A prestação pra um financiamento de sessenta mês é menos de seiscentas prata e eu posso o dá menos. Esse custo que tu botou aí é cascata.”
- “Severino, cuidado, não faz bobagem.”
- “Zeca, não dá pra acreditá, como é que a gasolina é o que menos custa nessa tua conta?”
- “É isso mesmo, já te disse. O que custa mais caro tu não vê. Pouco importa se tu vai economizá trinta ou quarenta mango de gasolina por mês, se o carro custa mais de dois mil.”
- “Já vi que tu não entende nada disso. Obrigado pela ajuda.”
Levantou-se com ar de ofendido e saiu pensando: esse cara ficou é com inveja de mim, que vou desfilá com carro novo. Qué me convencê de desistí. Botei inveja nele e bem que me dizem, a inveja é uma merda.
D | S | T | Q | Q | S | S |
---|---|---|---|---|---|---|
1 | 2 | 3 | 4 | |||
5 | 6 | 7 | 8 | 9 | 10 | 11 |
12 | 13 | 14 | 15 | 16 | 17 | 18 |
19 | 20 | 21 | 22 | 23 | 24 | 25 |
26 | 27 | 28 | 29 | 30 | 31 |
O portal da Cidade de Campo Grande. Informações sobre os acontecimentos da Capital de Mato Grosso do Sul; cultura, lazer, gastronomia, vida noturna, turismo e comércio de Campo Grande.