Data: 28-11-2012
Muitas vezes a sanha sensacionalista da imprensa nos leva a julgar fatos prematuramente ou a forma como apresenta a matéria nos faz ter ideia distorcida da verdade. A mídia televisiva tem muita força e pode promover uma estupidez levando-a ao ápice da preferência popular; é comum vermos bandos de macacos imitando atitudes grotescas. Novelas da Globo promovem enxurrada de nomes iguais de bebês. Recentemente voltamos a ser bombardeados com notícias do assassinato sem cadáver e do julgamento do goleiro Bruno, suposto mandante. Mesmo que eu queira me alienar do caso sempre escuto, ou vejo, alguma reportagem sobre esse assunto. Não adianta surfar com o controle remoto.
As notícias veiculadas nos jornais televisivos têm que ser curtas, o que as leva a serem superficiais, ademais, é sempre necessário fazer algum resumo do que se passou antes para atualizar os alienados, e pode ser que algum espectador tenha saído de um coma de cinco anos e nada saiba sobre o caso. Na verdade não vai ficar sabendo. Se ele não for do tipo curioso, daqueles que procuram muitas notícias sobre determinado caso, saberá pouco, verá apenas a ponta do iceberg, mesmo o mais instigado cidadão não tem acesso às conclusões policiais. Misture-se a essa falta de informação alguns goles de birita numa reunião de amigos...
Pois, sentavam-se eles à beira-mar no estrado do Veleiros, com enorme depósito de garrafas vazias sobre a mesa, já estavam na fase de viagens recorrentes ao banheiro, coisa de bebum velho com próstata hiperplasiada (pode procurar no dicionário que não está lá, mas existe). Não me lembro de como a conversa caiu para o assunto, mas Roda perguntou a Marciano:
- “Visse que o goleiro Bruno tá enrolado?”
- “Não foi ele quem matou o Elias Maluco?”
Dr. Montini deu uma risada e fez seu comentário de sábio etílico:
- “O Marciano tá confundido nomes, ou tá muito bebum. É Elize Samudio, não Elias Maluco, ele não morreu, matou foi o Tim Maia.”
- “Só se ele vendeu um pó muito concentrado, o Tim Maia não foi assassinado, dizem que morreu do coração. Matou o Tim Lopes.”
Era Silvia, uma engenheira paulista que estava pela primeira vez naquele grupo. E continuou com seu raciocínio lógico.
- “Ele dizia que não bebia, nem fumava, nem cheirava, que seu único defeito era mentir um pouquinho. Acho que tomou algum barato que lhe deu pesadelo, um susto tão grande que morreu do coração.”
Roda voltou a falar do julgamento. Estava excitado pelo noticiário.
- “Parece que o julgamento vai ser desmembrado, o Macarrão fez uma confissão e alcaguetou o Bruno.”
Marciano ainda não estava inteirado do assunto.
- “Ele matou a mulher?”
- “Não, Marciano, ele disse que o Bruno mandou o Bola matar a namorada que estava grávida.”
- “O Bruno era casado?”
- “Era.”
- “Então não era namorada porra nenhuma, era amante mesmo.”
Dr. Montini que é médico e paulista estava a par de alguns detalhes.
- “Dizem que faziam bacanais, que até a mulher do Bruno participava.”
Marciano mostrou-se muito interessado.
- “Então é isso, a imprensa gosta de falar de suruba, porque as pessoas, principalmente os homens, se interessam.”
Silvia fez cara de reprovação, o galeno percebeu e decidiu endossar o pensamento.
- “Tem dois tipos de homens: os que consideram suruba uma coisa degradante, pecaminosa, e os que já experimentaram.”
Silvia ficou perplexa.
- “Que é isso, Montini? Que generalização medíocre! Tu achas que os homens são todos galinhas?”
- “De jeito nenhum, acho nada. Eu tenho é certeza.”
Os demais riram da inocência da moça e de sua incapacidade de compreender os homens. Suas declarações de que gostam muito de mulheres, de que topam qualquer programa, nada mais são do que insegurança sobre sua própria masculinidade. Quanto mais broxa, mais finge ser tarado. Mas ela ainda não se dera conta nem por derrotada.
- “Esse caso só está dando o que falar porque ele era o goleiro do Flamengo.”
Gustavo, um carioca baixinho que estava visitando Marciano, completamente embriagado de uísque nacional, torcedor fanático do Vasco da Gama, emendou para fustigar a torcida rival.
- “É bandido, porque é flamenguista. Pode ver, é sempre flamenguista.”
Ela protestou, não poderia concordar com uma generalização daquelas.
- “Não sou Flamengo, mas não é assim.”
- “Metade da população carcerária do Brasil é de torcedores do Flamengo.”
Ela deu um sorriso, finalmente havia percebido que era um chiste. Entrementes, Dr. Montini aproveitou a deixa para espicaçar. Baseado no dito popular que fiofó de bêbado não tem dono, principalmente se houver mais bêbados por perto, posto que o álcool deixa seus consumidores alegres e arrojados, motivo pelo qual se diz: bebum não perdoa nem de amigo. Ele sapecou:
- “A outra metade é de Curintchanos!”
O sorriso se desfez. A Pindamonhangabense (isso lá é naturalidade de gente? Devia ser proibido nascer em Pindaetcétera) amarrou o semblante.
- “Isso é recalque de Palmeirense rebaixado.”
- “Se tu fosses homem a gente já ia se embolar.”
Marciano aproveitou o desafio para provocar o descontente.
- “Eu preferia me embolar com ela assim, sendo mulher mesmo, se fosse homem, deixava pra ti!”
Marciano sorveu mais um pouco de cerveja e voltou a falar enquanto os demais debochavam do médico.
- “Nessas surubas aê, quem mais participava que é conhecido?”
- “Era a Elize Samudio, a mulher do Bruno e o Macarrão, que eu saiba. Mas devia ter mais gente, só que não foi divulgado por não ter relacionamento com o caso. E também preservar socialites.”
Roda continuou, tentando informar aos demais do que sabia:
- “Eles nunca descobriram o cadáver da Elize, um guri contou que foi o Bola quem matou e deu a carne pros cachorros.”
- “Além do Bruno e do Macarrão os cachorros também comeram a amante?”
- “É o que dizem, que agora foi reforçado com uma confissão do Macarrão. Ele declarou que está com medo do Bruno.”
Silvia novamente emitiu seu parecer, ela parecia estar a par do caso.
- “Eles já estão presos há três anos. Os três.”
- “Então é isso, talvez o Bruno queira comer Macarrão na cadeia.”
- “Três anos de cadeia? Certamente os três já foram comidos. O Macarrão tá com medo de quê?”
- “E o julgamento, vai ser televisionado?”
Sentada quietinha estava a Valquíria, uma loura oxigenada, ou de garrafa como dizem os gringos, baixinha e burra, mas bonita e gostosa, namorada do Dr. Montini, trinta anos mais nova do que ele. Não querendo ficar à margem da conversa fez uma pergunta instigante e inesperada. Daquelas que as pessoas demoram um pouco a perceber o real significado.
- “Eu quero ver esse julgamento na televisão. Será que o relator vai ser o Joaquim Barbosa? Ele é tudo de bom. Sou apaixonada pelo negão charmoso.”
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