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Colunas


Prorrogação
por Moacir Henrique de Andrade Carqueja

Data: 04-11-2011

 

Final de campeonato, o jogo da minha vida, com os nervos à flor da pele. É uma partida de vida ou morte, com a torcida inflamada, alguns contra, mas a maioria a favor do meu time, eu jogo em casa. A contenda permanece empatada e percebo que estou cansando, mesmo assim ainda rebato as bolas da defesa com energia, procuro dar o melhor de mim, faço o que o professor mandou fazer, tenho que honrar a camisa da equipe, defender o leite das crianças e está dando certo, graças a Deus.

Aos 44 minutos do segundo tempo, o Onipotente Árbitro apita e marca penalidade máxima contra mim.

- “Não toquei no adversário, que nem vi.”

Ele não responde, coloca a bola na cal e manda bater inapelavelmente. Não ouço o grito dos adversários, por alguma razão ética não comemoram o gol em respeito à minha frustração, mas o jogo não está perdido, resta ainda algum tempo, talvez suficiente para um ataque ou dois.

Recebo instruções desesperadas de todas as bocas presentes, seletivo atendo à sugestão de um dos jogadores, Heitor, e passo a bola em profundidade para o Aguinel.

Nesse jogo sei que o Onipresente Juiz é parcial, não deixará que eu vença a partida, não importa o que eu faça, mas uma obra do Espírito Santo ilumina a mente do ponta-de-lança, que vislumbra uma brecha na defesa adversária e, num lance muito bem treinado, que ele pratica quase diariamente, faz a infiltração e marca um tento redentor.

Estou cansado, mas não posso ser substituído. O importante é que vamos para a prorrogação. Não tá morto quem peleia.

Se eu fosse crente, diria graças a Deus e faria uma penitência, não sou, então vou contar ao meu modo cartesiano e debochado esse drama metafórico, mais diretamente.

Ano passado requeri minha aposentadoria, que deveria ter sido oficializada em 22 de setembro, mas entupimentos nos canais entorpecentes do serviço público fizeram com que acontecesse apenas em agosto deste ano. Pior do que o atraso era a possibilidade de eu ser obrigado a trabalhar até a idade limite, quando em lugar de pedir a reforma, o cidadão leva, com todos os sons e rituais degradantes, um pé no rabo. Com essa perspectiva eu trabalhava heroicamente no primeiro semestre do ano, quando fui convocado ao exame médico periódico da universidade.

Fui recebido pela enfermeira que me perguntou um monte de coisas e me entregou um papel com requisições de exames laboratoriais. Isso era abril e os resultados ficaram prontos em princípios de maio. Tudo normal, eu estava com um metabolismo de guri, mas o PSA estava alto, marcava sete. Neste instante sentia como se o time adversário invadisse minha área ameaçando minha cidadela.

Corri para o urologista, meu amigo de adolescência, o Heitor. Ele anotou os resultados numa ficha de papel (é antiquado pacaceta, ainda usa fichas) e me enfiou o dedo no rabo. Nunca, em nossas conversas e bebedeiras de décadas passadas, imaginei que iria permitir que o amigo me faria isso, contudo, mais vale mais um dedo do que sete palmos, conforme a propaganda do ministério da saúde.

- “Nada de anormal ao toque, fica tranquilo, pode não ser nada, mas vamos fazer uma ressonância magnética com uma bobina trans-retal.”

Então ele escreveu o pedido numa folha de receita e eu saí em busca do examinador.

Letra de médico é fogo, eu estava no elevador tentando decifrar o hieróglifo e fiquei devidamente assustado, eu lia: solicito RM com coit trans-retal. O pinguinho no i era, em verdade, um traço que cortava o ele da palavra coil, mas como eles escrevem tudo de forma incompleta, podia ser coito. Tive até vontade de não fazer o exame... Mas não podia ser, nem de verdade, nem por piada, só então me dei conta que o que ele escrevera era coil, palavra inglesa para bobina.

O exame começa com uma limpeza intestinal, o que significa fazer um enema e chegar ao local do exame fazendo enorme esforço para não se cagar todo. Lá me deram um avental e eu saí desfilando pela clínica com o rabo à mostra até que me deitaram numa maca, assistido por três enfermeiras e um radiologista, que foi quem me abordou.

- “Vou fazer um toque com um anestésico local.”

Pensei “jóia, não vou sentir nada”, mas fiquei calado, qualquer coisa que dissesse poderia ser usada contra mim, já vi isso em filmes.

O feladaputa untou o dedo enluvado com um gel e discou 0800. Piada velha, que só quem é velho entende, quem tem menos de vinte anos não conhece telefone de disco.

Veio à memória o eco de uma marchinha de carnaval dos anos 70 gravada pelo Velho Guerreiro Chacrinha:

Enfia o dedo,

Enfia o dedo e roda,

Enfia o dedo,

Enfia o dedo e roda,

Não é nada disso

Que vocês estão pensando,

É do telefone que eu estou falando.

Só que no caso presente era. Depois as moças sádicas me avisaram que relaxasse porque iam introduzir a bobina.

Não tive coragem de olhar para avaliar o tamanho do tarugo, juro.

- “Só a cabeça que é grande, depois fica apenas o fio que sai pelo ânus e o senhor não vai sentir mais nada.”

Acho que em meus áureos tempos andei dizendo coisa parecida...

Não vi e, portanto, não sei o tamanho, mas devia ser grande porque doeu pra caralho. Peço desculpas pelo termo chulo, mas no caso é uma associação mais que perfeita.

Então me levaram para aquela nave espacial e me advertiram que permanecesse imóvel pelos primeiros vinte minutos. Entrei no sarcófago que me lembrou do filme 2001 Uma Odisséia no Espaço e começaram os sons dos alienígenas. Doíam os ouvidos, o ego e o fiofó.

Acabado o tempo, apareceu a enfermeira que me disse que iam injetar o contraste e a garganta esquentou, ao mesmo tempo que a bobina parecia que estava se mexendo lá dentro. Acho que injetaram alguma coisa nela, que inchou. E foram mais vinte minutos doloridos de bobina dentro, sem tirar.

Quando terminou a sevícia extraíram o artefato e fui liberado para ir ao banheiro onde terminei o serviço de esvaziamento intestinal, mas não havia um chuveirinho para lavar meu combalido rabo. O papel higiênico, macio ao tato manual, eu sentia como uma lixa na porta da cavidade agredida. A solução foi me lavar na pia, ainda bem que sou grandinho, com um pensamento sádico: azar do próximo.

Já era julho quando saiu o resultado, mostrando um nódulo na próstata. Foi a sensação de ter um atacante adversário na iminência de fazer o gol no final do jogo e, no desespero de evitá-lo, comete-se o penal. Corri de volta ao Dr. Heitor, que, dessa vez, poupou meu já combalido fiofó de seu indicador.

- “Há que se fazer uma biópsia.”

Seria minha segunda, a outra, um ano antes, tinha dado negativa.

- “Só em princípio de agosto, agora em julho vou buscar meu filho na Alemanha.”

- “Fica tranquilo, não há pressa.”

Quando voltei da viagem haviam postergado meu exame, que só foi realizado no final do mês.

A primeira biópsia da próstata fora traumática, cheguei a escrever um depoimento sobre a tortura feita com anestesia local que não anestesiou nada. Dessa vez fui adormecido com um boa-noite-cinderela e tive bons sonhos. Não adianta pedir que os sonhos não conto.

Duas semanas depois subi a rampa do Hospital de Caridade para buscar o resultado. Abri o laudo caminhando de volta para o estacionamento e foi com um friozinho na barriga que li a confirmação: carcinoma em todas as amostras coletadas...

Segura na mão de Deus e vai.

Segura na mão de Deus e vai.

Ouvi essa música pela primeira vez no enterro de um parente e achei horrível. Já estava imaginando as carpideiras cantando isso enquanto meu esquife era depositado na cova rasa. Deuzolivre!

Os parentes religiosos fizeram promessas, novenas, romarias, tudo em nome desse herege que lhe escreve. Eu, desportivamente, via um gol marcado por uma penalidade inexistente contra minha equipe no fim da partida. Teria pouquíssimo tempo para reagir. Se fosse basquete o técnico pediria tempo para organizar a tática do desespero. Voltei ao consultório do Heitor com o cronômetro rodando.

- “Moacir, vamos discutir os tratamentos possíveis...”

- “Sem discussão, vou operar.”

- “Se fosse comigo fazia isso.”

- “Com quem?”

- “O Aguinel, vou ligar pra ele agora.”

Esse era o passe em profundidade a que me referia.

Três dias depois fui, devidamente acompanhado de minha ginecologista particular, ao consultório do cirurgião e ele, mesmo com minha esposa presente, enfiou o dedo para confirmar o diagnóstico.

- “Vou te explicar por que faço o toque.”

Não sendo por tara, eu teria que me conformar, mas já estava me sentindo promíscuo, três dedadas, uma bobinada, duas biópsias, haja rabo. E ele continuou.

- “O exame de toque é uma das informações para determinar o competente grupo de risco.”

Pediu uma reavaliação do laudo da ressonância magnética, que confirmou que o tumor deveria estar dentro da cápsula.

- “Moacir, isso é bom, teu tumor é de médio risco.”

- “Que legal!”

Tudo é relativo. Uma notícia má, porém menos má do que a esperada, ou possível, pode ser motivo de alegria... Depois veio a consulta do anestesista e ele me disse que seria com anestesia geral.

- “Dá pra escolher o sonho?”

- “Nunca vi alguém pedir isso.”

- “Quero sonhar com a Maria Sharapova, um metro e oitenta e oito de beleza russa, numa banheira de espuma.

Minha ginecologista protestou.

- “Deixa de ser assanhado.”

Mulheres nem sempre sabem diferenciar uma piada de uma verdade. Mas a Sharapova numa banheira seria o bicho!

Anestesistas fazem grupos que atendem os hospitais da cidade, de forma que o que me examinou não sabia se seria o responsável por me injetar o barato.

- “Onde vai ser a cirurgia?”

- “SOS Cárdio.”

- “Lá eu não anestesio, nem sei quem está escalado. Escolheu lá por ser novo?”

De fato, é o hospital mais novo da cidade, tendo sido inaugurado há uns dois ou três meses.

- “Motivos econômicos, se eu morrer, o cemitério fica em frente. O frete é mais barato.”

Levei um beliscão da patroa.

Fui operado semana passada. No dia seguinte, na visita ao paciente, o médico me disse que foi perfeito, que desse tumor devo estar curado. Gooooool do Aguinéééeéuuu! O jogo está empatado, gol da tecnologia, da habilidade, da modernidade, da equipe.

Dói muito, lembra uma bolada no saco. Mas o importante é que vamos para a prorrogação.

E vou jogar na defesa.


Moacir Carqueja
Moacir Henrique de Andrade Carqueja
Engenheiro Civil e professor universitário aposentado.Casado, pai de três filhos, residente e apaixonado por Florianópolis.


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