Data: 27-02-2013
George sai do banco discutindo com a mulher.
- “Viste no que deu? Tu não te controlas.”
- “Não bota a culpa em mim, tu também gastas.”
- “É, mas eu não compro bobagens, anéis, roupas de grife. Só gasto com coisas essenciais.”
- “Essenciais?”
- “É. Alimentação e transporte.”
- “Sei. Aquele estoque de vinhos lá de casa é alimentação?”
- “Claro que sim, alimentação de qualidade, mas isso não representa quase nada nas nossas despesas.”
- “George, eu não fiz conta, mas acho que gastasse mais com vinho do que eu com roupas.”
- “Talvez, pode ser, estou zelando pela nossa saúde. E os teus sapatos?”
- “É? E as tais rodas de liga leve e pneus especiais do teu carro?”
- “Isso não é todo mês.”
- “De fato, são dez prestações de trezentas pratas. Não gasto isso com sapato nem em um ano.”
- “Tá certo, mas o gerente do banco é um cretino, ele podia fazer um jurinho menor.”
Caminhavam concentrados na discussão das dívidas resultantes do descontrole de crédito em busca do carro no estacionamento.
- “Elvira, cadê o carro?”
- “Não sei, tu me deixaste no banco pra pegar a senha.”
- “Deixei aqui, sempre que posso uso essa vaga.”
A adrenalina já corre nas veias. É o medo de perder o patrimônio.
- “Só me faltava isso, George, roubarem o meu carro. Tu puseste a tranca na direção? Tu sempre és negligente.”
- “Claro que pus, mas que ela não adianta nada, todo mundo sabe.”
- “Vamos dar queixa na delegacia e acionar o seguro.”
A expressão do marido se petrifica.
- “Elvira, eu não paguei o seguro.”
- “Tu não pagasse?”
- “Não. Nós já távamos atolados nas dívidas, achei que era melhor deixar pra lá, a gente nunca usa o seguro mesmo.”
A esposa se exaspera como é praxe nessas situações tão corriqueiras. Qual marido nunca se “esqueceu” de fazer o seguro do carro da mulher? Quem nunca levou uma mijada conjugal em público?
- “Agora dá um jeito. Chama teus amigos da polícia e pede uma busca, o carro não deve estar longe.”
Começa o frenesi telefônico.
- “Capitão Ferreira? Lembra de mim? Sou o George, lá da praia, seu vizinho.”
...
- “Isso mesmo. Vou encurtar a conversa, me desculpe, mas o carro de minha mulher foi roubado há pouco. Será que dá pra fazer uma busca nas imediações?”
O dedicado policial militar percorre o protocolo nessas ocasiões em que é lembrado pelos que em geral reclamam da corporação: não tem problema ir direto ao assunto, estou acostumado; qual o modelo e a placa do carro?; onde estava estacionado?; dê sua posição que vou pedir que uma viatura lhe faça contato para maiores detalhes.
Entrementes os dois se descontrolam e a mulher desata a chorar reclamando da má sorte. Um pouco escandalosamente, como gostam alguns (pobres, principalmente, adoram um barraco).
- “Meu carro novo, custei tanto pra comprar um zerinho. E ainda faltam 31 prestações.”
Os psicólogos de ocasião se chegavam para aconselhamento.
- “Seja forte, dona, tudo tem jeito na vida, menos a morte.”
Um fanático messiânico também se assomou aos conselheiros.
- “Foi obra de Satanás. Mas Jesus dá um jeito, pode acreditar. Eu tenho um amigo que teve todas suas dívidas perdoadas, foi Jesus.”
Dona Esperança só morre depois do desastrado, é a santa a quem todos se agarram nos momentos difíceis.
- “Moço, que bom, onde é a sua igreja?”
- “Vou deixar um cartão. Eu sou o Pastor Zacharias.”
A rapaziada não perde oportunidade de fazer bons negócios, não é mesmo? O sonho de mais um dízimo é a alegria do sacerdote.
Sirenas. A polícia está chegando graças ao prestígio do George com o capitão. A viatura para, dois soldados desembarcam e logo percebem quem foi furtado pela aglomeração à volta de uma pessoa que discursava.
- “Quem é o seu George?”
- “Sou eu.”
- “Pode me contar como foi que aconteceu?”
- “Não posso, deixei o carro aqui e fui ao banco. Quando voltei não estava mais.”
- “Viu se alguém o estava seguindo?”
- “Não, o estacionamento estava cheio e lembro que não consegui deixar o carro na minha vaga predileta...”
George parou. De repente ficou com o semblante vermelho, perdeu-se no que iria dizer. O policial percebeu a intenção dele em continuar falando e aguardou, mas a voz não saía. Fez-se um silêncio amargo que tardou um século, por alguns segundos embaraçosos.
Um tapa na própria testa, um sorriso amarelo...
- “Eu não deixei o carro aqui, agora me lembro.”
Levantou a cabeça e procurou.
- “Está lá, ao lado da banca de jornais. Desculpe, seu guarda.”
Elvira soltou a cachorrada nos ouvidos maritais, aos costumes.
- “Tu não fazes nada direito, mesmo! Olha a confusão que me arranjas.”
Pega o cartão na bolsa.
- “Toma, Pastor, o diabo do meu marido foi mais rápido do que Jesus. Seu dízimo fica pra uma próxima.”
D | S | T | Q | Q | S | S |
---|---|---|---|---|---|---|
1 | 2 | 3 | 4 | |||
5 | 6 | 7 | 8 | 9 | 10 | 11 |
12 | 13 | 14 | 15 | 16 | 17 | 18 |
19 | 20 | 21 | 22 | 23 | 24 | 25 |
26 | 27 | 28 | 29 | 30 | 31 |
O portal da Cidade de Campo Grande. Informações sobre os acontecimentos da Capital de Mato Grosso do Sul; cultura, lazer, gastronomia, vida noturna, turismo e comércio de Campo Grande.