Deprecated: mysql_connect(): The mysql extension is deprecated and will be removed in the future: use mysqli or PDO instead in /home/storage/3/0e/5d/campogrande1/public_html/old/ga-admin/includes/conexao.php on line 18
Colunistas | Campo Grande Net

Warning: Creating default object from empty value in /home/storage/3/0e/5d/campogrande1/public_html/old/template/head.inc.php on line 123
Banner-CGNet-Servsal

Warning: Creating default object from empty value in /home/storage/3/0e/5d/campogrande1/public_html/old/template/head.inc.php on line 139
AACC_ARRAIÁ-AACC_BANNER_510-x-95

Colunas


Carioca na Campanha
por Moacir Henrique de Andrade Carqueja

Data: 08-08-2012

 


Houve um tempo que a televisão não chegava ao interior, nem telefones, no campo raramente havia energia elétrica, a vida era muito simples e bem menos confortável. Quem habitava na campanha gaúcha, região de belas pastagens naturais, tinha ainda menos conforto e o ganha-pão tradicional dos homens era trabalho na força-bruta, lida com gado. Por isso a cultura machista, mulheres não tinham vigor físico para um trabalho tão pesado. Lá as notícias chegavam atrasadas e deformadas, primeiro no rádio ligado numa bateria, depois nos jornais impressos em centros maiores, que deviam viajar longas distâncias desde as rotativas até os leitores.

Em tal cenário um renomado estancieiro do Alegrete teve dois filhos varões, os quais seguiram caminhos diferentes. O mais velho foi para Porto Alegre onde cursou o ensino médio seguido da faculdade de medicina. De lá se mudou para Paris para aperfeiçoar sua arte de curar, onde permaneceu por oito anos. A longa estada na capital francesa deveu-se a ter boa mesada paterna que gastava de forma ponderada com mulheres e amigos. Contudo, é bom que se diga, de fato se dedicava à medicina, prática e estudo, que também lhe rendia ganho complementar razoável. Pouco a pouco se tornava conhecido no meio médico francês, até que outro galeno brasileiro, que estudava com ele e voltava para o Rio de Janeiro, o convidou para trabalharem juntos. Meses depois se casou com uma bela carioca e criou raízes na cidade maravilhosa.

O filho caçula também estudou na capital gaúcha, mas não gostava da vida urbana, muito menos dos livros, preferia as lides campeiras e voltou para a estância quando terminou o ensino médio. O velho gostou, teria alguém que continuaria seu trabalho, coisa que estava ficando difícil com seus vizinhos cujas proles queriam permanecer proprietárias de terras, mas vivendo nas cidades.

Lá pelos anos sessenta o primogênito do médico, com quinze anos de idade, foi passar férias escolares com os primos na fazenda. Foi um acontecimento festivo. O avô, que pouco vira o neto, programou churrascos e comemorações convidando os jovens da vizinhança para participar dos encontros. Comprou uma égua crioula para o guri que lhe foi dada com todos os arreios como presente de natal.

Jorginho era um rapaz alto, moreno, com a pele bronzeada pelo sol de Copacabana, que naqueles anos era um dos bairros mais badalados do mundo. E tinha aquela coisa dos cariocas que pensavam, alguns ainda pensam, que fora do Rio não há vida, ou, fazendo uma pequena concessão, vida há, mas é uma bosta.

Os primeiros dias foram de apresentações e estudos como fazem lutadores de boxe, ele todo almofadinha e a molecada local andava de roupa velha, sem sapatos, os olhares desconfiados. Os rapazes nativos, ou xirus, eram em geral de baixa altura, porém muito robustos. Como o visitante nunca havia montado antes, recebia algumas noções de equitação ao jeito gaúcho que nada tem de parecido com o que se pratica em clubes do gênero. Já começa pela sela que é sempre coberta com um pelego para amaciar. Claro que para os locais montar é tão natural quanto pedalar uma bicicleta, coisa que se aprende desde pequeno e sem professor, por isso as lições que eram passadas ao primo carioca eram veladamente motivo de chacota.

Não tendo televisão e outras comodidades para encher o tempo, conversavam muito. O moço da cidade era bem informado, podia contar novidades, sabia cantar músicas que ainda não haviam chegado naqueles pagos, até canções dos Beatles. E havia a curiosidade sobre a vida no Rio de Janeiro.

- “Jorginho, é verdade que no Rio as gurias dão pros namorados?”

- “Nem todas, só as piranhas.”

É importante esclarecer que a moral brasileira daquele tempo, principalmente nas áreas rurais, ainda impedia que o sexo fosse praticado antes do casamento. Daí que se atribuíam termos pejorativos às mulheres que se liberavam sexualmente. Voltando ao diálogo:

- “E tu já comeste alguma?”

Jorginho nunca tivera a experiência do coito, mas ali ele tinha, ou pensava que deveria, se mostrar superior. Mentiu.

- “Várias. E aqui, como é?”

- “Difícil. Não sei de nenhuma que deixe. Tinha a Maria do Rosário que o pai pegou na cama com um peão e expulsou de casa, dizem que tá na zona em Porto Alegre.”

- “E o que vocês fazem?”

- “Ovelhas.”

- “É verdade? Eu pensava que isso era brincadeira.”

- “É verdade, e as éguas também.”

O rapaz abriu um sorriso irônico.

- “Vocês são uns tarados. E atrasados, não posso admitir que se viva desse jeito. Deus me livre.”

A conversa continuou variando de assuntos até que alguém perguntou ao escrupuloso Casanova de Copacabana se ele jogava futebol.

- “Jogo na praia e sou bom de bola, bato com as duas. Vocês não querem fazer uma pelada?”

Havia um campo com balizas de taquara precariamente cravadas no pasto, sem linhas de demarcação e com alguns montinhos escuros de bosta de vaca em vários estados de evolução, desde moles e recentes, até duros e ressequidos. Uma bola fabricada pelo sapateiro, um pouco ovalada, foi apresentada aos atletas que jogariam descalços. Já no aquecimento a gauchada debochava do jogador de futebol de praia que tinha sola do pé fina e não resistia ao desconforto das rosetas. Como não admitiam que se jogasse calçado, coisa de marica, fizeram uma concessão permitindo que ocupasse lugar de perna de pau, ou de quem joga de sapato, foi para o gol.

Seu tio explicou que se ele andasse descalço, como todos os locais, teria ao fim de alguns dias, ou semanas, a sola do pé tão espessa que as rosetas não incomodariam.

Enquanto o futebol aguardava o espessamento do solado do craque outras atividades foram estabelecidas. Numa especial fariam um passeio a cavalo para pescar num rio distante 30 quilômetros da sede. Juntaram grande número de jovens, rapazes e moças, prepararam-se sanduíches, linhas de pescar, anzóis e minhocas, as varas seriam cortadas no local, e se puseram a caminho bem cedo.

Jorginho gostou das meninas, mas elas eram bem vigiadas pelos irmãos que não tolerariam qualquer insinuação. Ele já tinha sido advertido e não queria confusão. Mas, dos quatorze aos vinte anos, os rapazes só pensam naquilo, mesmo quando não estão pensando naquilo, e sempre que podem fantasiam e conversam sobre aquilo. Ele cavalgava já cansado e dolorido do trote, conversando com o primo, tinha uma favorita no grupo.

- “A Martinha é gostosinha, será que não dá pra eu chegar nela?”

- “Nem tenta, tchê, ela namora o filho do Seu Tiaraju, o xiru tem vinte anos, vão se casar no ano que vem.”

- “E as outras?”

- “Todas têm namorado.”

Jorginho fez uma piada para o primo.

- “Nesse caso só sobra a égua.”

E foi respondido no mesmo tom.

- “Então tu precisas de um barranco. Neste caminho só tem um que dá na altura, ao lado da porteira que passamos agora. Só não te mete a besta que todo mundo vai ficar sabendo.”

- “Só se a égua contar, mas ela não fala.”

Deram uma risada.

- “Olha que a égua conta.”

Jorginho nem se dedicou à pescaria, preferiu nadar no rio e mostrar sua técnica apurada, visto que os campesinos em geral não nadavam e olhavam admirados seu estilo e velocidade. As moças em geral gostaram, comentavam discretamente entre si com risadinhas nervosas que o moço era atraente, mas ele não percebeu. Levaria alguns anos para decifrar o que as mulheres falam de forma dissimulada quando estão interessadas em alguém.

No meio da tarde quente retomaram o caminho para a cavalgada de volta e Jorginho estava bastante desconfortável na montaria. Não suportava mais o trote. Para que ninguém tivesse que esperar por ele avisou seu primo que iria se atrasar.

- “Eu tou com a bunda muito doída, pode ir com os outros que vou a passo. Não aguento mais trotar.”

Naquelas latitudes máximas do território nacional os dias de verão são longos e ele chegou caminhado e puxando a égua, ainda com sol, por volta das sete horas. Foi recebido com risos, chacotas, até as mulheres dos peões foram convocadas para ver o carioca que se agauchava.

- “Agora tu és um dos nossos, bagual.”

Recebia tapas nas costas e cumprimentos estranhos.

- “Guri, eu até tava preocupado contigo, pensava que tu era meio marica.”

O capataz foi mais direto.

- “A égua é boa?”

- “É, mas não aguentei o trote, me assou a virilha.”

- “Não te encabules, podes responder, conta pra nóis como foi.”

Então o primo com um sorriso maroto complementou:

- “Eu te falei que a égua conta.”

Jorginho se ofendeu.

- “Conta o que? Não aconteceu nada!”

- “Primo, ainda tens muito que aprender por aqui. Sempre que o bagual cobre a égua, ela fica com o rabo empinado por muito tempo. Olha a cola da tua montaria.”


Moacir Carqueja
Moacir Henrique de Andrade Carqueja
Engenheiro Civil e professor universitário aposentado.Casado, pai de três filhos, residente e apaixonado por Florianópolis.


    Compartilhe


Outras Colunas


>> Carteira Assinada

>> Pedal Dengoso

>> Orgia noTemplo

>> A Queda

>> Dois Tarados Pedalando

>> Fé na Ciência

>> Só me faltava isso.

>> A Serviço dos Ianques

>> Escala de Tombos

>> Mad Max

>> Vestido de Noiva

>> Lista para 2013

>> Natal do fim do mundo - 2012

>> Vítimas de Newtown

>> A Amásia Lobista

>> Julgamento do Bruno

>> Corrida Matinal

>> Segurança no Condomínio

>> Aos que pensam que Cuba é ruim

>> Entregando Pizzas

>> Primeiro Michê

>> Aumentando a Frequência

>> Carango Baratinho

>> Bota a Camisinha

>> A Morte do Erotismo

>> Ata de Reunião

>> Vaso Entupido

>> Mais cotas.

>> Estatísticas de Orgasmos

>> Doutor do Boi de Mamão

>> Encontro na Varanda

>> CPI dos Holofotes

>> A Tiazinha

>> Toc-toc

>> Negociando no Congresso

>> A Cunhada do Wronsky

>> Ah, Espelho Meu...

>> Mamãe vai às compras

>> Meio Século de Espera

>> Matei um Monte

>> Malandro é Malandro

>> O Zelador

>> Hora de Pendurar as Chuteiras

>> Ossos do Ofício

>> Ambulância

>> Bloco de Sujas

>> Wando

>> Noites de Verão

>> Censura às Idéias

>> Vício

>> Recordista de Abates

>> Previsões de Carquejamus para 2012

>> Ressaca da Despedida de Solteiro

>> Natal 2011

>> Despedida de Solteiro

>> Festinha Adolescente

>> Cidadania italiana postergada

>> Lei Seca

>> Cidadania italiana

>> Palestra de Prostituta

>> A Prova do ENEM

>> Prorrogação

>> Inspeção sanitária

>> Porta-voz divino

>> Automóveis

>> Bolero

>> O Namoro de Dona Zilda

>> Chutando fora

>> Arquiteto Afeminado


Calendário

«Maio - 2024 »
DSTQQSS
   1234
567891011
12131415161718
19202122232425
262728293031 

banner-Ópitica_do_Divino



O portal da Cidade de Campo Grande. Informações sobre os acontecimentos da Capital de Mato Grosso do Sul; cultura, lazer, gastronomia, vida noturna, turismo e comércio de Campo Grande.