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Colunas


O Namoro de Dona Zilda
por Moacir Henrique de Andrade Carqueja

Data: 29-09-2011


A viuvez é fato corriqueiro para mulheres da terceira idade, os homens costumam ser mais velhos do que as esposas e vivem menos. Os grupos de apoio às pessoas desta fase da vida mostram enorme desproporção numérica entre elas e eles, o que torna as atividades desinteressantes para os velhinhos. Claro que a opinião deles seria outra, caso estivessem reunidos cinquenta anos antes, quando o sexo era da maior importância, a ponto de governar suas vidas e seus devaneios. Claro, também, que o desejo e a prática de sexo na terceira idade não são fantasias, existem, contudo Dona Zilda não percebia isso, até o dia em que sua filha a convidou para um jantar dançante.

- "Não sei se devo ir, não vou ter par pra dançar e vou atrapalhar a noite de vocês."

O genro insistiu em apoio à filha.

- "Dona Zilda, a maior frequência é de coroas, é muito provável que a senhora encontre alguém pra conversar e até pra dançar. Ademais, não atrapalha nada, nós vamos lá porque gostamos da música e gostamos de dançar à moda antiga."

De fato, o casal praticava danças de salão numa academia e muitos dos colegas iriam estar naquele jantar, seria uma oportunidade de praticar e exibir o que aprenderam. Manja aqueles casais que dançam com passos elaborados, ela rodando em torno e um eixo imaginário entre a mão dele e um ponto na ponta do pé? É certamente par de bailarinos de academia.

As mesas não eram individuais, propositadamente, para que as pessoas tivessem contato com desconhecidos ou que se aprofundassem amizades superficiais, sentavam-se oito em cada, onde Dona Zilda conheceu um carpinteiro aposentado, Ednei da Silva, que fora convidado a participar do encontro por um vizinho que também era aluno da escola de dança e sabedor do gosto do coroa por dança.

Seu Nei, como era conhecido na redondeza, tinha 76 anos e grande vigor físico, claro, de acordo com os padrões de sua idade. Também era viúvo e vivia só. Trabalhava como voluntário numa associação de bairro onde fazia manutenção de mobília e ensinava rapazes na arte de lidar com madeira. Tinha vida metódica, bebia moderadamente, não fumava e não era exagerado nos prazeres da mesa. E era dono de um bom-humor invejável, conseguia rir até nas derrotas do Figueira, sua última e perene paixão.

Dona Zilda era quinze anos mais jovem do que ele, mas, à medida que os anos passam, as diferenças parecem diminuir; se tivessem se conhecido quando ela tinha dezoito, nem teriam algum assunto em comum, seria o encontro de uma adolescente em fogo com um coroa na idade de Cristo. Na atual época de suas vidas os temas das conversas convergiam, ressalvadas as diferenças notórias da cultura de sexos opostos: ele gostava de dominó, ela de crochê, ele de futebol na televisão, ela de novelas. Mas ambos tinham preferência pelos mesmos pratos, com notória ênfase para dobradinha; quando descobriram o gosto mútuo passaram a discutir como preparar a iguaria, que seguiam rituais distintos; eram apaixonados por camarão, que ele contou que comia regularmente, posto que tinha por costume sair para jogar sua tarrafa de malha fina uma ou duas vezes por semana, tinham até as mesmas reclamações quanto às dores musculares aqui e ali, consabidamente coisas de velhos. Todos os velhos.

Estavam conversando de lados opostos da mesa, mas os presentes logo decidiram rearranjar as cadeiras de modo que os dois estivessem lado a lado. E com disfarçada atenção vigiavam o que faziam e diziam, fingindo interesse em assuntos próprios. Por outro lado, a empatia do casal era grande e pouco se importaram com os circunstantes. Conversavam animadamente e até dançaram quando o conjunto tocou um bolero.

O dia seguinte foi domingo de comentários no almoço da família. Salete provocava sua mãe:

- "E aí, mãe, ele já ligou?" 
- "Ainda não, nem vai. Tás querendo dizer que eu vou arranjar um namorado, na minha idade?" 
O genro também entrou na conversa. 
- "Sogra, eu acho que vai. Senti que ele ficou entusiasmado. Como é o nome dele mesmo?" 
- "Nei." 
- "Vai fundo, Dona Zilda, homem é mercadoria escassa na cidade, ainda mais nessa idade. Isso é uma loteria."

O dia transcorreu sem novidades com alguma expectativa da parte da família em receber a ligação do carpinteiro. Dona Zilda procurava esconder a ansiedade, mas era traída cada vez que tocava o telefone. Foi sua filha quem percebeu.

- "A mãe nunca se levanta pra atender o telefone, hoje ela atendeu todas as ligações."

Havia um motivo para que Ednei demorasse tanto, era dia de jogo do Figueirense e ele tinha ido ao estádio. A ligação foi tardia e ele falou com a voz rouca da gritaria na arquibancada.

- "A Zilda está?" 
- "Sou eu."

Nenhum dos dois estava acostumado a namorar pelo telefone, havia muitos anos que não encontravam parceiros. Da parte dele alguns contatos profissionais, mulheres que anunciavam seus predicados nos classificados do Diário, nada de namoro. Eram contratadas em momentos de certeza de não haver possíveis ouvidos ao alcance da voz, normalmente feitas pelo celular longe de casa. Não falaram muito, mas combinaram de almoçarem juntos no dia seguinte, sem a presença de familiares. Essa era uma vantagem de ser aposentado, poder passear numa segunda-feira.

Dona Zilda teve dificuldade para contar à filha de seu encontro para o almoço, tinha medo de ser reprovada, ou de ser tratada como se fosse uma coisa ridícula, entretanto ficou surpresa quando ela se mostrou favorável, tal como se fosse uma amiga de sua idade.

- "Mãe, a vida continua, não é porque se envelhece que se vai abdicar de ser feliz, de amar. Nem a memória do pai vai ser perdida por isso. Eu sei de tua dedicação a ele, mas acabou e já são cinco anos. Eu acho ótimo, vai tranquila."

Inesperadamente ela não sabia o que vestir nem como se portar depois do almoço. Sentiu-se uma adolescente quando imaginou um diálogo com perguntas e respostas quase infantis, até sentiu medo de seus assuntos não agradarem o parceiro. Será que ele vai me convidar para fazer aquilo? E se convidar, será que eu devo ir? Não é uma coisa muito arrojada?

Salete parecia adivinhar os pensamentos maternos.

- "Mãe, se ele te convidar pra fazer outro programa, vai. Na tua idade não tem isso de ser difícil. E a vida é curta, ninguém sabe se acorda no dia seguinte. Pode topar tudo que eu vou ficar bem contente. Dou força."

Seu Nei não tinha carro e precisava encontrar um lugar próximo para almoçar e depois passar o tempo. Pensou na praça de alimentação do Shopping e foi com essa decisão unilateral que passou pela casa da quase namorada. A corrida de taxi seria curta, dentro das disponibilidades orçamentárias. Dona Zilda não estranhou a proposta, estava acostumada a ir lá com a filha almoçar uma vez por mês, tinha até restaurante preferido, o chinês.

- “Eu gosto de frango xadrez.” 
- “Eu também.”

Aquela galinha picada com legumes demorou a ser consumida. Eles estavam muito mais interessados em conversar, em se conhecer, do que na comida. Permaneceram sentados por quase uma hora. Por fim saíram a caminhar olhando vitrines. 

- “Eu costumava ficar de saco cheio de passear por shoppings, mas agora tou até curtindo.”

Dona Zilda sorriu, saboreando a declaração. Estava velha, mas não havia perdido a perspicácia feminina, um homem só sucumbe aos seus princípios machistas quando está interessado na fêmea, depois disso volta a ser quem era. Homens não gostam de passear olhando vitrines. Foi por isso que se certificou que ele estava muito interessado nela. Pensou: “a gente ensina os homens devagarzinho, eles acabam aprendendo que há outras coisas boas na vida.”

A caminhada teve que ser interrompida muitas vezes pelas dores no joelho dela e pela coluna dele. Passeio de coroas é assim, a cada meia hora, ou menos, têm que parar para aliviar a carcaça. Já cansada de tanto buscar banco para descansar, ela o convidou para um café em casa, isto é, na casa que morava com a filha, que estaria trabalhando, os netos na escola... 

Passaram-se duas semanas de quase lua-de-mel. Eles saíam para ir ao cinema, para conversar, caminhar na orla. Era uma sexta-feira quando sua filha os convidou para irem a um restaurante em Santo Antônio que tinha música e os casais dançavam. Dona Zilda caprichou no vestido, arrumou-se como se fosse a um casamento.

- “Filha, estou bem?” 
- “Tás ótima, mãe.” 
- “Fui muito feliz com teu pai, mas nossa vida era muito difícil, sempre faltava dinheiro, era muito angustioso naquele tempo. Hoje estou vivendo o período mais feliz de minha vida.” Salete deu um abraço carinhoso na mãe. 
- “Ah, mãe, eu fico tão contente com isso.”
 
Seu Nei estava de calça nova, camisa social e tinha um ar de felicidade impresso na face. Sentou-se no banco de trás com sua nova amada velha e foram para o jantar dançante.

Conversavam os quatro, e o casal mais jovem quedou-se impressionado com a cultura informal de Seu Nei, que parecia saber de tudo um pouco. E de tudo falava bem humorado. Dona Zilda, em determinado momento, fez questão de comunicar a todos seu estado sublime: -“Nunca pensei que eu seria feliz ficando velha. Sempre achei que a velhice seria uma tristeza, mas eu estou me sentido muito contente.” 

Seu Nei fez um carinho nos cabelos dela, que reclamou, tinha medo que ele acelerasse a perda capilar que tanto a assustava, depois disse: 
- “Nada como um velho que acorde a velhinha pra vida nova.” Era uma brincadeira, mas a graça das piadas, como a crueldade nas ofensas, reside num fundo de verdade.

Havia um tecladista com uma parafernália enorme, que simulava bateria, violinos, contrabaixo, uma orquestra inteira, mais o som de órgão que ele tocava e sua voz. Ainda tinha um vocal em play-back. Ele atacou com “Besame Mucho” e os olhos da coroa faiscaram. 

- “Eu adoro esse bolero.” 
- “Eu também, então vamos dançar.”

Salete ficou com o marido olhando sua mãe deslizar pelo piso, sentindo um misto de tristeza e contentamento, amargura de saber que sua mãe está envelhecida, mas feliz por estar de bem com a vida. De repente Salete sentiu uma fisgada no peito e olhou incrédula para seu parceiro, olhar de desespero, enquanto sentia que iria desfalecer. Tentou se agarrar ao pescoço dele, mas não teve forças e desabou. Seu Nei tentou segurá-la, mas tudo havia sido tão imprevisível que ele não pode tomar uma posição adequada para suportá-la e também não teve força suficiente para evitar que Dona Zilda caísse de olhos arregalados de pavor.

- “Um médico!” O músico interrompeu o bolero e com falsa tranquil idade perguntou: 
- “Há algum médico presente?” Nenhum, mas havia um funcionário da CELESC treinado para l idar com paradas cardíacas que veio correndo para fazer a massagem e aplicar respiração boca-a-boca.

Permaneceram naquela agonia por quase trinta minutos, até quando chegaram os bombeiros com um desfribilador e oxigênio. Havia um médico na ambulância que examinou a pupila da mulher desfalecida e falou consternado: 
- “Já não há mais o que fazer, ela já teve parada cerebral.”

O jantar no paraíso transformou-se num pesadelo dos infernos, correria para providenciar os documentos necessários para o funeral, contratar os serviços, avisar os amigos e parentes.

No dia seguinte, na capela, Seu Nei comentava desolado: 
- “Ela morreu nos meus braços e eu não pude fazer nada.” 

Salete respondeu chorando, buscando algum argumento que lhe convencesse a esquecer a dor.  - “Ela estava se sentindo tão feliz nos últimos dias, nem reclamava mais da dor na cervical, nem do joelho. Morreu feliz.” 
Seu Nei, visivelmente emocionado, retrucou com amargura: 

- “Não sei. Será que alguém pode se sentir feliz quando está morrendo?” 

Terminadas as exéquias retirou-se para casa onde se deitou no sofá pensativo. Por duas semanas havia sentido a alegria e o excitamento que só tivera algumas vezes na juventude, um pouco diferente, mais comedido, é fato, mas podia sonhar com alegres dias seguintes.

Agora era voltar á real idade de seus 76 anos, rodeado de pessoas que não o percebiam. Sem amanhãs, vivendo apenas para o presente da caridade que fazia aos outros para ganhar alguma consideração.

É a diferença entre sobreviver e viver.  

Só.


Moacir Carqueja
Moacir Henrique de Andrade Carqueja
Engenheiro Civil e professor universitário aposentado.Casado, pai de três filhos, residente e apaixonado por Florianópolis.


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