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Colunas


Mad Max
por Moacir Henrique de Andrade Carqueja

Data: 21-01-2013

 


Só quem tem o vício das endorfinas geradas pelos longos exercícios aeróbicos pode compreender por que um louco é capaz de se levantar da cama no inverno de Nova Iorque, sair do hotel e correr por mais de uma hora num frio de rachar os beiços. Eu já fui um corredor desse tipo.

Certo dia o meu joelho esquerdo, cansado de tomar porrada do bate-estacas do meu corpo a cada passada, entrou e greve e me disse que bastava. Não me entreguei, para desespero da protestante patela passei para o ciclismo.

Minha primeira bicicleta de verdade, daquelas que se usa quase diariamente, foi presente de aniversário de 44 anos. Leisa me levou à loja e me disse para escolher o que quisesse. Não era grande coisa, nem era adequada ao meu tamanho, quem me vendeu percebeu minha ignorância sobre o assunto e concordou imediatamente com minha escolha claudicante. Coisa de burro manco do joelho esquerdo. Era bonita, é verdade, mas todos os complementos eram de qualidade inferior. Escolhi a bicicleta como quem escolhe mulher num boteco: bonita, atraente, com pinta de gostosa. Depois é que se descobrem os defeitos. Mesmo assim ela me serviu por milhares de quilômetros por estradas e trilhas de nossa ilha e arredores. O mesmo nunca acontece com a tal mulher do bar. Ela só topa ir a Las Vegas ou Paris.

O joelho não reclamava do exercício, mas o pescoço gostava de me manter informado do trajeto por vários dias. Passei a frequentar os magos da dor. O primeiro foi um acupunturista que me tratou de maneira correta, a dor passava, mas era como traficante que desaparece quando a blitz visita o ponto, voltando logo depois. Um especialista no assunto, um grego sacana, me assustou dizendo que eu corria (e que ainda corro) risco de vida por conta dos bicos de papagaio que minhas ressonâncias magnéticas mostraram. Disse que eu deveria me submeter à cirurgia imediatamente. Pois eu digo pra esse feladaputa que enquanto eu não trocar uma vértebra natural por um pedaço de aço inoxidável eu tenho dor e parestesia, mas meu pescoço é tão forte quanto o dele. Depois disso, já lá se vão uns seis ou sete anos, já tomei tombos espetaculares esquiando, com várias bundas acrobáticas (isso é arataquês, em manezês diz-se carambotas), de sair com tudo dorido, mas de pescoço no lugar. A bem da verdade foi o Dr. China da acupuntura, que também foi orientador de minha filha na residência médica, quem me deu a dica do Paracetamol. Recomendou-me que tomasse logo que sentisse que a dor estava querendo chegar. Funcionou muito bem.

Se era a postura da bicicleta, com o corpo curvado e apoiado no guidão para ficar mais aerodinâmico, que me causava a dor, concluí que deveria mudar a ergonomia. Comprei um guidão novo, em forma de u aberto em cima de onde saiam as partes horizontais para os punhos. Era enorme, tinha uns 35 centímetros de altura e era bem mais largo do que o original. A magrela ficou que parecia um touro texano, daqueles que os fazendeiros de lá colocam os chifres nas grades dos carros de modo que o povo não perceba os seus. Ficou escrotíssima, mas o pescoço descansou.

Contente com aquilo, tentei retornar aos percursos mais longos, mas o arrasto no vento era demasiado, o que me exigia força nas pernas e o meu velho amigo, o joelho esquerdo, protestou com agulhadas lá dentro. Resolvi um problema e recriei outro.

Por motivos vários, experimentei o remo e ninguém reclamou por aqui. Nem nas juntas, nem nos ouvidos. Até a artrose de meus ombros deu uma trégua. Por conta desse novo desporto esqueci a bicicleta na garagem. Os anos se passaram apressados. Ocorre que o clube de remo é perto de casa e, depois que dei de presente ao meu filho uma bela bicicleta alemã, passei a experimentar uma pedaladinha discreta até lá em sua companhia, mas o tal guidão alto e largo fazia eu me sentir como um ciclista que pedala contra o vento quase de pé e com os braços abertos.

Devo dizer que a tal bicicleta tinha quadro de alumínio de razoável qualidade e sua pintura estava deteriorada pela corrosão do metal. O guidão estava muito enferrujado e apenas debaixo das manoplas se via o cromado original. Para tentar melhorar o meu desempenho imaginei que poderia fechar o u e reduzir sua largura total. Feio por feio, não poderia ficar pior. Deitei a bicicleta no chão e apertei um dos lados. Senti que se deformou bem. Virei de lado e fiz o mesmo, mas não consegui simetria. Além disso aqueles chifrinhos que chamam de end-bar (Edibar é um personagem de cartum) quebrou durante o processo. Mal ou bem, ficou pedalável e eu comecei a testar minhas pernas com parcimônia.

No final de 2011 tive que fazer uma cirurgia oncológica e vim a descobrir que meu cirurgião é ciclista. Numa das consultas, de verificação de meu estado pós-cirurgia, descobrimos o gosto comum e eu roubei o tempo dele conversando de nossas aventuras. Para mim foi um incentivo. Da metade do ano passado em diante voltei a enfrentar o pedal sem dores nos joelhos nem na cervical. Passei até a usar uma bicicleta do tipo speed,  da qual tive o cuidado de elevar a mesa em 15 centímetros. A bicicleta está um pouco estranha, vez por outra algum ciclista vem me perguntar como é que eu consegui peças para fazer aquela cagada descaracterizando um projeto consagrado. Digo que está bem, minha ergonomia ficou perfeita. Além de tudo é uma Trek, a bicicleta do Lance Armstrong, agora que todo mundo já sabe que ele se preparava quimicamente eu não posso tomar minhas drogas contra a dor porque vão me pegar no exame antidoping.  E pedalei tanto que nesse período de seis meses já gastei um jogo de pneus na speed.

Eu sugeria ao meu filho que fosse para a universidade pedalando, mas não com a bicicleta nova, seria furtada no primeiro dia com certeza. Ele até foi uma vez com a minha velhinha, mas acho que ficou com vergonha de desfilar com um equipamento tão feio: pintura suja e apagada pela corrosão, guidão enferrujado e assimétrico, o braço esquerdo bem mais aberto e baixo do que o direito. Nem retirante nordestino toparia usar aquilo.

Com o intuito de quebrar o sedentarismo de Leisa, eu a convidei para pedalar comigo, ajustando a velha bicicleta ao seu tamanho. A reação foi semelhante e ouvi pedidos de melhorar o aspecto. Imagine a vergonha dela se fosse vista por seus pares médicos pedalando uma bicicleta que parecia ter sido comprada no ferro-velho.

Eu intercalava os equipamentos nas saídas, algumas poucas ocasiões com a velha MTB (é como os ciclistas abreviam mountain bike) por ser mais robusta e confiável em pisos irregulares. Numa das vezes em que convidei meu amigo Henrique para um passeio eu estava com a velhinha. Todas nossas pedaladas anteriores eu fizera com a de estrada. Rodamos algum tempo até que ele criou coragem para fazer uma pergunta que era ao mesmo tempo uma acusação:

- “Que bicicleta é essa? Foi usada no filme Mad Max?”

Francamente gostei da alcunha. Realmente era uma velosucata, tal como os carros da famosa película. Adotamos o nome.

Tinha e tenho paixão pela Mad Max, ela já me levou a lugares incríveis. Foi assim que tomei uma decisão importante, comprei uma bike nova para Leisa e fui à loja de tintas perguntar ao vendedor como fazer para pintar o quadro.

- “Leva um tubo de tinta e três lixas d’água número 100. É fácil.”

Desmontei a bicicleta, quase toda, só não consegui retirar as pedivelas por falta de ferramenta adequada: levei ao mecânico. Depois lavei todos os componentes com querosene seguido de água com sabão. Ficou tudo limpo e desengordurado. Foi quase uma semana de pequenas jornadas diárias.

Então começou o inferno. Botei o quadro na bancada do tanque para começar a lixação e tomei um esporro da empregada.

- “Só pode ficar aí até as três, depois eu preciso do tanque.”

E eram duas da tarde.

Comecei pela barra de cima com Guilherme me olhando e seco de vontade de me ajudar. Na medida em que eu lixava, a água da lixação respingava pelas paredes, na minha roupa, por tudo. A sujeira resultou em mais mijada.

- “Eu limpo, não tem problema, mas vai demorar mais uns quinze minutos e não posso perder o ônibus. Então é bom parar com essa merda agora.”

Aposentado tem sempre tempo, eu avaliei e deixei para continuar no dia seguinte. Quando recomeçamos dei instruções de como proceder ao meu filho e descobri que ele descobriu que aquele esforço todo era quase em vão. As lixas se gastavam e a porra da tinta parecia que não soltava do metal. Principalmente onde estavam os decalques com a marca original. Minha descoberta se deu pela sua reação legítima. Passados quinze minutos ele me entregou a lixa para descansar enquanto eu assumia. Disse que iria beber água e nunca mais apareceu. O pior eram os cantinhos, a lixa tinha que ser dobrada e se decompunha rapidamente. E haja dedo. As pontas se gastam junto com a pintura, porém mais rapidamente, e as unhas se encardem. Depois, escovar na carne viva é um exercício de autotortura. Gastei uma semana, cinco membranas epidérmicas e seis folhas de lixa, o que significou ir novamente à loja. Só tinha três, lembra? E a Celma, com o apoio incondicional de Leisa, me dando duas mijadas por dia. Eu tinha que escutar calado, sei que nossa estabilidade conjugal repousa naqula deusa germânica, filha de Thor. Se a empregada se vai perco a mulher junto. Imagine a crise...

Com o quadro lixado, numa manhã ensolarada, fui para o pátio fazer a pintura. Tinha que aplicar três demãos com intervalo de quinze minutos, segundo as instruções da lata. Deu tudo errado, apliquei tinta demais em alguns pontos e escorreu. O tubo não foi suficiente para a terceira demão, mas deveria cobrir pouco mais de dois metros quadrados. Mas eu estava todo azul, inclusive a roupa.

Voltei à loja, comprei lixa fina e outro tubo de tinta. Já tinha visto como se corrigem gotas de tinta escorrida, lixei com cuidado e paciência, mas não fiz um acordo com a superfície pintada. Gastei a irregularidade e a película à volta também se foi. Nova demão e mais algumas escorregadas, igualzinho. Virei a chave na cabeça para a posição foda-se e considerei que a pintura estivesse adequada. Mas acidentalmente a arranhei ao guardar o quadro com a tinta ainda não curada.

Mais uma visita à loja, dessa vez sem comprar lixa, outro tubo de tinta e depois alguns retoques.

De longe ficou linda. É o que basta, é como mulher, só conhece os defeitos finos quem usa.

Chegou a hora da montagem. Decidi mudar o garfo, que era rígido, por um com mola. Mad Max não merecia coisa cara, optei pelo mais baratinho que encontrei. Tive que mudar os freios porque os antigos não se adaptavam à suspensão nova. As pedivelas também. Os raios da roda de trás estavam oxidados e troquei por aço inox. Coloquei pneus mais finos para reduzir o arrasto e troquei o guidão por um pequeno de 40 centímetros. Tive que usar de um artifício para elevar a mesa, o que me fez comprar tudo novo. Concluímos também que as manetes dos freios estavam inadequadas. Quando tudo estava montado e pronto percebi que os rolamentos da caixa dos pedais estavam danificados e travando. Troquei também.

A última coisa foi adesivar a magrela. Bóris desenhou e me presenteou com os decalques. Fizemos uma noitada de recortes e colagens no seu escritório que foi transformado temporariamente em oficina ciclística. Sorte dele (ou minha?) que não tem mulher em casa que lhe pentelhe a vida. Nem a Celma. Para proteger as películas apliquei uma demão de verniz poliuretano, o que me obrigou a visitar novamente a loja para comprar um tubo, e a bicicleta ganhou um brilho extra como efeito colateral.

Somando todos os carapicus despendidos, as viagens, os esporros, gastei tanto quanto numa bicicleta nova. Mas a Mad Max é única, exclusiva, inconfundível. É uma paixão marital, daquelas que temos por nossas companheiras que envelhecem conosco. Mudam os argumentos, mas o encanto persiste.

 


Moacir Carqueja
Moacir Henrique de Andrade Carqueja
Engenheiro Civil e professor universitário aposentado.Casado, pai de três filhos, residente e apaixonado por Florianópolis.


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